domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Escritor

Era rapaz, ainda, e já tinha reconhecido seu talento. Das entusiasmadas professoras de redação e literatura aos colegas escritores, todos nele identificavam uma capacidade extraordinária no manejo das palavras. Ora, o reconhecimento era merecido! Pelo menos, em grande parte, já que seu talento era fato.

Mas, fã de frases de efeito, e dotado de um vocabulário vastíssimo, obtido em suas intermináveis leituras de tantos livros de tantos autores de tantos estilos de tantas origens, mundo afora, tinha o defeito de enfeitar demais.

"E seguia o incauto beócio, ignorando que o opúsculo que, obstinado, perseverava espargir, aquinhoava aos borbotões os valores que lhe assolapavam prematuramente seu próprio sepulcro."

Aqueles que liam, dificilmente, passavam sem consultar dicionários, buscar significados na internet, ou de qualquer forma consultar o verdadeiro significado de tais palavras.

Os que, de imediato ou após pesquisa, compreendiam o sentido de suas palavras, frequentemente se impressionavam com tão culto escritor. Os que não compreendiam, com ou sem pesquisa, tanto admiravam quanto desenvolviam estranha adoração pela sua prolixa maneira de expressão.

E seguia escrevendo o jovem escritor.

"Era um belo espécime de varoa, aquela impúbere petiz. Dissemelhantemente, contudo, parecia aquilatar-se. Malsinava-lhe sua própria conduta, aluída e oscilante, ao passo que, bem apregoada por qualquer tratante mercador, de tal anúncio dimanaria demanda capaz de se lhe atestar veramente valiosa..."

É notório, no entanto, que seus textos eram cansativos. Tal como recebia os elogios com excessiva e falsa modéstia, fingia se aprazer das críticas negativas que poucos ousavam lhe oferecer, como que a demonstrar desapego e uma boa receptividade que jamais tivera. Mandava às favas as críticas, internamente, e ao diabo que os carregassem os críticos. Essa era a verdade que jamais ousava admitir, nem mesmo para si.

"Ufano se afigurava, explícito, notório. Cediço era, no entanto, que, por dentro, em nada passava de um verme liliputiano."

E foi premiado, o escritor. Publicou em toda parte sua obra. Os amigos que lhe estimavam perderam espaço em sua rotina. Os companheiros de projetos comuns rapidamente se tornaram muito abaixo daqueles com que ele, na condição de escritor reconhecido, se dignaria a compartilhar realizações. Abandonou-os, também. Por mais que negasse gostar, tinha o mundo literário a lamber-lhe os pés, e salivar-lhe as gônadas.

Agora, fazia pouco dos autores renomados. Em vez de agregar, enriquecer, assomar, fazia valer sua superioridade, em desprezo flagrante pelo público leitor de autores que considerava inferiores, em nível e qualidade. Tanto superara a todos, que, agora, seu desafio era superar-se a si.

"No calor de tamanha altercação, aparte à parte, a parte a que a parte o coração é a parte a partir da qual ele parte para não mais voltar".

E os leitores se deliciavam com tamanha habilidade com as palavras, embora grande parcela tenha sido incapaz de compreender sem ajuda dos estudiosos que o escritor tanto desprezava.

Mas, o escritor não viveria para sempre em sua juventude. O tempo vem a galope, e é para todos! O escritor envelheceu. O escritor fez escola, e vendeu milhões. Defendeu que seu estilo é o único correto, o único bom, embora sempre por meio das palavras de outrem, para não evidenciar sua própria empáfia. É feio elogiar-se a si, mas, há sempre quem queira fazê-lo por si, quando o elogio já foi feito antes.

Sim, o escritor envelheceu. E sua saúde já não é mais a mesma. Sobre a cama, envelhecido, ensimesmado, chora o escritor, sem permitir que o percebam. Tem a mente ativa, mas, não tem mais saúde para dar vida a suas ideias. Romances já não saem de sua mente para o papel, e contos já não caem sobre as teclas de sua velha máquina de datilografar.

Suas últimas palavras, a custo pronunciadas, jamais serão decifradas. Os presentes ouvem "eu sou uma fraude, uma farsa!", mas, é claro que jamais ele o seria, jamais ele o diria. Insistem em crer que as palavras veramente pronunciadas eram daquelas que ele escrevia, que não foram reconhecidas porque não eram conhecidas. Ah, essa mente que nós temos! Mente-nos, para preencher os buracos. E era o que melhor sabia fazer o escritor. Ou não.

Pablo de Araújo Gomes, 22 de fevereiro de 2015

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