quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Com uma banana

     Muitos há que se desesperam com o menor problema. E com o maior, também. Isso quase chega a ser engraçado, já que é fato notório e conhecido que assim não se chega a lugar algum, que assim não se resolve qualquer problema.
     Bem, o fato é que nem sempre temos as ferramentas necessárias para resolver os nossos problemas. Ou parecemos não ter, pois não dispomos das ferramentas ideais. Mas, muitas vezes, se usarmos a cabeça, podemos notar que temos, sim, como resolver os problemas, mas não dando murros em ponta de faca. Deixe-me esclarecer melhor.
     Usemos um exemplo bizarro, mas bem ilustrativo: um assassino quer esfaquear alguém. Nada fora do comum, certo? Mas eis que ele tão-somente dispõe de uma banana, de nada mais. Sou capaz de assegurar-lhes: não é possível esfaquear alguém com uma banana. Mas o objetivo do assassino, se você pensar bem, não é esfaquear, mas matar. Então, ele pode cumprir seu objetivo sem espatifar inutilmente a banana na barriga do indivíduo, se optar pelo sufocamento com a banana. Exige, claro, um pouco mais de habilidade. Certamente, não será tão fácil como se ele dispusesse de uma boa faca. Mas ele atingiria seu problema melhor do que se simplesmente "espetasse" a banana contra o peito de seu desafeto, o que, seguramente, não daria em nada além de uma sujeira danada e um bate-boca que poderia culminar numa briga. Gasto inútil de energia, eu diria.
     Há muita gente tentando esfaquear seus problemas com bananas, todos os dias, em toda a parte. Este problema é decorrente de um velho vício: a preguiça que se tem de pensar. Muita gente se arvora a bandeira da racionalidade, e se utiliza dela para identificar uma distinção essencial entre si, como ser humano, e os demais animais, como uma espécie de ralé da natureza. Mas na hora de pensar, não se dão ao trabalho de pensar um pouco no que vão fazer. E fazem o maior melelê, claro.
     Que tal se mudarmos de atitude? Não proponho que saiam por aí sufocando as pessoas com bananas, é óbvio! Mas a atitude de pensar na melhor maneira de resolver os problemas é uma boa alternativa, e é isso o que defendo. Seja radical: localize não só o problema, mas a sua raiz. Identifique a causa, pois é ela que você deve combater. Lembre-se: o objetivo do assassino não é esfaquear, mas matar. Theodore Roosvelt (não que eu seja fã dele, mas...), um ex-presidente dos EUA, eternizou uma frase bem interessante: "Faça o que puder, com o que tiver, onde estiver.". Nosso assassino fez isso, mas não tentou atirar no candidato a presunto, nem feri-lo. Com uma banana, não dava. Mas ele identificou o problema, o objetivo, e o meio de que dispunha. E os conjugou. Fiat lux!
     Eventualmente, você vai se deparar com problemas mais complexos, como combater a fome, por exemplo, numa região muito carente. Nem sempre é possível resolver o problema maior pela raiz e ignorar os sintomas deste problema. Neste novo exemplo, é importante lembrar que, enquanto você está ensinando alguém a pescar, ele pode não aprender simplesmente por estar com tanta fome que tem um déficit de aprendizado, ou mesmo porque até pegar o primeiro peixe por conta própria poderá ter morrido de fome. Nestes momentos, cabe conjugar os distintos problemas que constituem uma problemática maior, pesá-los, medi-los, analisá-los, e solucioná-los. É um pouco mais trabalhoso, e muito mais dinâmico do que o problema do assassino, já que as circunstâncias mudam conforme os problemas vão sendo resolvidos. Mas, pense pelo lado positivo: entre uma aula e outra, você pode alimentar o aluno com uma banana...


Pablo de Araújo Gomes, 1 de dezembro de 2010

Arte Conceitual: Duendes, Papai Noel e Karl Marx

Olá, pessoal,
     O Conceito que trago para ser desenvolvido tem a ver com o espírito natalino. É um tema que um amigo meu, Rafael Barreiros, me apresentou há muitos anos, ocasião em que afirmou que não faz questão de exclusividade sobre o tema, que ele mesmo pensava em desenvolver para Teatro.

     Imagine que o Papai Noel foi raptado por seus duendes, às vésperas do período natalino. A razão: eles andaram lendo um complexo livro, intitulado "O Capital", de autoria de Karl Marxs e Friedrich Engels, e chegaram à conclusão de que eram explorados pelo Papai Noel que, ainda por cima, ficava com os louros e a glória de ser o bom velhinho, enquanto eles ficavam só com o trabalho.

     Bem, a idéia de meu amigo vai além disso, mas, acredito que isto por si só já é suficiente para provocar a imaginação de quem quiser escrever algo a respeito. Vocês já têm o tema, agora é hora de criar!

     Obrigado, Rafael!

Abraços a todos!
Pablo de Araújo Gomes

quinta-feira, 11 de março de 2010

Desencontros

     Era um magnífico dia de sol. Antonio – Toni, como lhe chamavam os pais italianos – curtia, inocente e impunemente, uma praia, já que ninguém é de ferro. Foi quando entrou em cena, deslizando por sobre a areia da praia com uma beleza extraordinária, e uma canga que delineava suas qualidades, uma verdadeira deusa de Ébano.

     Ela armou sobre a areia sua cadeira de praia, e, cuidadosamente, iluminou a praia com a sua beleza negra, ao remover a canga branca que ousava roubar do público aquela visão do paraíso. Sentou-se, saindo do campo de visão da maioria, e com isso privou Toni do prazer de desfrutar daquele colírio para seus olhos. Foi assim, pelo menos, que Toni – e, certamente, metade dos presentes – percebeu a chegada da moça.

     Toni não podia apenas esperar. Tinha que agir. Levantou-se. Mas, fazer o quê? Sentou, novamente. Ele não sabia como agir, mas não tirava os olhos daquela mulher única. Precisava, decididamente, fazer algo. Observou que, ao seu lado, ela começava a escrever algo na areia. Ele parou. Esperou.  Droga! O mar apagou. A maré estava enchendo, e ela, sem saber, pusera sua cadeira em rota de colisão com a subida da maré. Ela se levantou, para o deleite de toda a população masculina da praia (e desgosto das esposas e namoradas presentes), afastou a cadeira alguns metros do mar, e a colocou praticamente ao lado de Toni – o que quase o fez enfartar, e, certamente, matou os demais homens e uma ou outra mulher de inveja.

     Ela se sentou, novamente. Agora, bem aos olhos de seu mais devotado observador. Começou, novamente, a escrever algo. Logo, se delineou um belo “E”. Suspense no ar. Um “l”, seguido em seguida de um outro “l”… opa! Um ambulante, distraído, desmanchou tudo. Pediu desculpas, e só então viu a moça. Babou, quando a viu, quase lhe dava suas mercadorias, em pedido de desculpas, mas ela recusou. “Tá tudo bem, moço. Pode seguir seu dia.”. Toni já tinha ímpetos de ir surrar o cara. Quem lhe dava o direito de atrapalhar e, pior, se enxerir para a sua garota?

     Ela, enfim, recomeçou: “Ell”, parou. Olhou para ele, sutilmente. Ele, que observava de maneira nada sutil, tentando claramente xeretar o que ela escrevia, desviou o olhar, sem graça. Ela retomou. Escreveu um “y”. Escrevia com uma bela grafia, e cheia de floreios, como a declarar que sabia o quanto era bela; “d” e, para o arremate final, “a”. Ellyda. Seria este o seu nome, pensou Toni.

     Já seria um bom começo, então, para uma abordagem. “Olá, Ellyda!”, “Como você sabe o meu nome? Andou me espionando?”, “Calma, eu só li o nome que você escreveu na areia!”. Não, talvez ela fosse menos paranóica, ou se sentisse um pouco invadida. “Oi, Ellyda!”, “O quê?”, “Oi, Ellyda!”, “Desculpa, mas, não me chamo Ellyda.”, “Não? Mas…”, “Esse é o nome da minha namorada.”. Cruel! Ou, talvez, em vez desta última declaração, “Não, não. É que acabo de saber que estou grávida, e estou tentando escolher o nome.”, “Ah, mas você já sabe qual o sexo?”, “Todos os possíveis! Ricardão é ótimo na cama!”, “Não, o sexo do bebê.”,  “Seu tarado!”, “Não, dona, quero dizer que você estava escrevendo um nome de menina. E se nascer menino?”, “Ah, se for menino, o pai escolhe o nome. Olha ele chegando aí!”. Não! Esta última versão do diálogo ainda terminaria em confusão. Até porque, garotas bonitas têm o mau gosto de namorar caras marombados, ou lutadores de jiu-jitsu. “Tô fora!”, pensou Toni.

     Toni estava tão distraído que não reparou quando sua amiga Flávia passava. Mas ela reparou que ele estava sentado, e se aproximou. “Oi, Toni!”, “Eh… Oi, Flávia!”, beijinhos, beijinhos, “Como você tá, menino?”, “Tô legal! Você também parece ótima!”, e por aí vai. Aqueles papos de “nunca mais mandou notícias”, “é, a vida anda uma loucura”, e outras banalidades completamente previsíveis. Flávia. Louríssima, gatíssima, linda, exuberante! Mas Toni mal conseguia tirar os olhos daquela outra moça, que brilhava à luz do sol. Aliás, ela parecia ainda estar escrevendo algo, mas Toni não conseguiu olhar, tentando não dar a perceber que já não escutava sua amiga. “Tchau, meu lindo! Vê se me liga, hein? A gente ainda tá se devendo conhecer aquela boate…”, “Ligo, sim!”, beijos à distância, um aceno. Toni, então, olha para o lado. Decepção.

     “Ellyda & Marquinhos”.

     Toni ficou de coração partido. Como podia? Ele nem a conhecia, e já estava se deixando abalar por uma notícia óbvia. Claro que uma mulher perfeita como aquela só podia ser comprometida! Mas, “Marquinhos”? Nem mesmo nome de homem ele tinha. Toni se sentia traído. Quis levantar, tomar as devidas satisfações, e quase o fez. Ela não tinha direito! Mas ele se conteve. Não suportando a dor, Toni resolveu voltar para casa. Foi chorar sozinho, pelo fim do relacionamento que jamais começou.


     Era uma bela manhã de Sol. Ellyda acordou disposta, e seguia rumo à praia, que parecia lhe chamar. Com seu belo corpo negro, chamava a atenção de todos os homens e a inveja das mulheres, por onde passava. Incomodada, levou sua cadeira de praia bem para frente, onde, quando sentada, não seria vista por mais ninguém.

     No entanto, um jovem rapaz a olhava diferente. Não a comia com os olhos, como o fazia a maioria dos homens. Ele parecia, mesmo, encantado. Isso a tocou sobremaneira. Mas, tímida, não teve coragem de iniciar um diálogo. Tomou em mãos um pequeno graveto, e pôs-se a escrever o seu nome na areia. Após as primeiras letras, o mar apagou. Poxa vida! Ela levantou-se, a contragosto. Não queria ser, novamente, alvo dos olhares. Gostava de se sentir bela, de usar um biquíni mínimo que destacasse as suas curvas, mas não se acostumava com a natureza dos olhares.

     Pôs, então, a cadeira mais para trás, afastando-a do mar por mais alguns metros. Se tinha que fazê-lo, por que não aproximar um pouco da cadeira do rapaz? O álibi era perfeito, e ela o fez. Recomeçou a escrever seu nome, na esperança de que o jovem o lesse, e ele parecia mesmo interessado. Mas, aí, veio um ambulante desastrado. Ela quis explodir de raiva. Será que tinha de ser tão difícil, para uma moça, escrever um nome na areia?! Mas ela se conteve, afinal. Ela não queria que o rapaz pensasse que ela era esquentada. Após oferecer metade de suas mercadorias, num exagerado pedido de desculpas, e após ouvir sucessivas negativas, o ambulante saiu, olhando para trás, devorando-a com os olhos e pedindo desculpas.

     Ela reiniciou, escrevendo as primeiras letras de seu nome. Só para confirmar o interesse dele, deu uma olhada rápida para o lado, e ele desviou o olhar. Poxa! Ela não devia ter olhado. O negócio era torcer que ele não estivesse tão intimidado, e que lesse o nome dela. Não demorou tanto em escrever o resto do nome, mas caprichou na caligrafia. Queria impressionar.

     Mas, então, chegou uma garota. Ela era linda, loira, tinha o corpo perfeito. Era do jeito que homem gosta, cheia de carne, durinha, malhadinha. E era loira. Ellyda estava cansada de ver, por experiência própria, que os homens costumavam preferir as loiras. Ela não podia competir com uma mulher tão bela. Prontamente, decidiu escrever outro nome de homem, junto ao dela, para não dar na vista que estava paquerando o cara. Ela não suportava a ideia de que percebessem que ela foi rejeitada. De novo! Na falta de um nome melhor, escolheu o do seu irmão, de sete anos. Estava tão nervosa, que mal se deu conta de que escrevera no diminutivo. E com uma caligrafia sofrível.

     Quando a loira se despediu, o convidou para ir a uma boate, e ele garantiu que ligaria. Se eles não tinham algo, logo teriam, certamente. E Ellyda teve certeza de que tinha tomado a decisão acertada, ao escrever aquele nome masculino ao lado do seu. Pena. Ele era exatamente como ela gostava. Bonito, mas nada escandaloso. Não era marombado, como aqueles caras que só pensam em academia e arranjar briga, e deixam a mulher em segundo plano. Ela gostava de rapazes assim, em forma, mas magrinhos, e com aquela cara de CDF. Costumam ser mais sensíveis, companheiros, apaixonados.

     Quando ele viu o nome escrito, ela não coube em si, de tanto espanto. A expressão dele caiu, desabou. O corpo dele perdeu o vigor. Ele pareceu realmente decepcionado. Por um instante, pareceu irritado. Mas, ficou nisso, mesmo. Logo, ele recolheu o pouco que levara à praia, e partiu. Ela teve certeza de que se arrependeria depois, por não tê-lo chamado, nem puxado assunto. E se arrependeu. Fazer o quê?


Pablo de Araújo Gomes, 11 de março de 2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crônica Atravessada

     Enviaram-me uma breve provocação, citando um estudioso francês que muito teria se interessado pela literatura eminentemente brasileira. O pedido para que eu me pronunciasse a respeito me pareceu bastante digno de atenção. O que não sei é se minha pronúncia será digna da solicitação...

     É bem verdade. Ferdinand Denis apaixonou-se pelo Brasil, em uma viagem que fez à América do Sul, e passou a se interessar por tudo o que se relacionava com nosso país. Por mais de sessenta anos, para se ter idéia, escreveu inúmeros títulos, incansavelmente, sobre o nosso país.

     Ferdinand nasceu em fins do século XVIII, exatamente na época do ano em que o então jovem general Napoleão Bonaparte investia contra o Egito e vencia a lendária Batalha das Pirâmides. Em outras palavras, a Revolução Francesa estava se consolidando, com o controle dos conflitos internos e das guerras em que a França estava envolvida. Isto, logo após o período conhecido como o Século das Luzes, que teve fim nove anos antes, com o início da própria revolução. Conforme deveria acontecer, ele foi um homem de seu tempo, afinado com as mais avançadas teorias da sua época. Da sua época, eu disse. Há muita coisa, que, há muito tempo, já foi desbancada.

     Mas vamos por partes, como nos ensina o método. Ferdinand Denis de fato registrou muita coisa, não apenas sobre nossa literatura, como sobre nossa história, costumes, e sobre a nossa gente. Livros didáticos por ele escritos (lá, da França) foram adotados aqui em nossas escolas, durante o Segundo Império. Recebeu duas comendas imperiais por sua contribuição ao estudo da história e cultura brasileiras. E jamais vou desbotar seus méritos. Ele era realmente apaixonado pelo Brasil, e muito bem intencionado. Mas, estava enganado em muito do que disse.

     A começar com as teorias sobre as qual se fundava seu pensamento. A primeira, a Teoria dos Climas, de Montesquieu, foi, por definitivo, superada, no século XX. O Sociólogo Pierre Bordieu foi um dos que demonstraram que era mais um mito revestido de caráter científico, como tantos outros.

     E nem precisávamos esperar tanto, se usássemos a lógica. A Teoria dos Climas propugna, em resumo, o seguinte: que os povos do hemisfério norte do planeta terra, por viver em clima temperado, habitualmente mais frio, força mais freqüentemente a contração dos músculos (por conta do próprio frio), e assim se gera um caráter mais disposto e trabalhador; ao passo que os habitantes do hemisfério sul, por viverem predominantemente entre os trópicos, num clima mais quente, crescem relaxados, lentos e preguiçosos, formando-se um caráter claramente indolente. O que há de errado nesta teoria? Comecemos do começo: onde estiveram as primeiras grandes civilizações? No crescente fértil. Onde fica o crescente fértil? Nos pólos? Tudo bem, que apenas o Alto Egito ficava entre os trópicos, mas, ninguém pode dizer que qualquer das primeiras grandes civilizações estivesse sob clima fresco e ameno. Egito, Mesopotâmia e os demais povoados desta região, passando pela área da Palestina, viviam em oásis, o que é certo. Mas, por definição, Oásis ficam no meio do deserto. Era quente. E a disciplina invejável e incansável dos orientais também é presente entre os trópicos, não apenas na região temperada. A suposta indolência é muito mais cultural e de índole. Ou pretende me dizer que não há playboys na Europa? No mais, estou louco por uma oportunidade de ler os escritos de Bordieu, para saber como ele desmanchou esta teoria tosca que ajudou a fundamentar inúmeros preconceitos no decorrer da história.

     Denis também defendia o uso do índio como meio de termos os nossos próprios heróis nacionais. Mas, parecia indiferente ao fato de que o índio de nossa literatura não era um índio, mas um cavaleiro medieval travestido de índio. Isto, na realidade, jamais valorizou o índio, de verdade, porque não era o nosso índio quem tinha aqueles valores. No fundo, tanto endeusar como demonizar termina fazendo mal, de alguma maneira.

     Ele defendia, também, que, devido à natureza preguiçosa e indolente do povo brasileiro, nossa produção literária deveria investir mais em descrições, porque nos exigiria menos esforço. E, como a natureza e as cores dos trópicos são exóticas e exuberantes, esta seria, também, a melhor maneira de se prender a atenção dos leitores europeus.

     Ora, que se dane a suposta natureza preguiçosa e indolente! O brasileiro tem essa fama, não é? Mas, pesquisas da Organização Internacional do Trabalho indicam que o povo brasileiro, entre os Estados Democráticos de Direito, é um dos que mais trabalha, no mundo. No japão, antes de a crise internacional expulsar os brasileiros de lá, nossos conterrâneos eram os prediletos das empresas. Não é que o japonês nato não trabalhasse. Sair mais cedo é uma vergonha, então, eles fazem serão até mais tarde, tomando um cafezinho, ou um chá, e conversando. O serão do brasileiro é trabalhando.

     E, se a capacidade intelectual do brasileiro não fosse boa, mesmo, não teríamos inúmeros profissionais de referência no Vale do Silício, ou na NASA, por exemplo. Nossas mentes brilhantes evadem-se de sua pátria, como que despidos de qualquer sentimento nacional, mas porque as melhores oportunidades ainda estão no exterior. Se assim não fosse, e nossa educação efetivamente contribuísse para o aproveitamento dos talentos que despontam em nosso país - não o digo por patriotismo, que não é o meu forte -, com certeza, o Brasil teria um destaque maior no mundo. Aliás, isto vale para o Brasil, e para os países africanos, também. E os países pobres da Ásia, ou nossos vizinhos das américas. Por que Cuba se destaca em tantas modalidades? Saúde, educação, literatura, música, etc. Primeiro, porque valorizam sua educação. Segundo, porque fecharam as portas para a evasão de divisas intelectuais. Não estou concordando com os métodos de Cuba ao falar do fechar as portas como vantagem. Mas, não se pode negar que, para a coletividade, a medida ajuda, e muito, o país.

     E, tem mais. Não temos que agradar o público europeu, ou qualquer outro, para sermos bons. Nosso aprimoramento, o lapidar de nossa arte deve ser feito sobre nossas características próprias, agradar a nós mesmos, como público. Não proponho que nos fechemos, ou que não deixemos vir de fora, ou sair o que é nosso. Mas, como poderemos fazer algo genuinamente nosso, se obedecemos a padrões e opiniões alienígenas? Não. Influência de fora é possível, porque cultura e estímulos externos enriquecem a capacidade criativa. Mas, se você tem uma cultura própria, e ela lhe agrada, use-a. No Brasil, há uma cultura riquíssima que muito tem se perdido, que é a dos bons e velhos contadores de estórias. Isto é uma arte, e é narrativo, não descritivo. Na formação de nosso país, também, vieram muitos poetas medievais, e seus descendentes, isolados em regiões afastadas ou até inóspitas, eternizaram o gênero de seus antepassados. Tudo isso e muito mais compõe a riqueza e o caminho das pedras que nos pode conferir alguma identidade. Se fizermos bem feito, terminaremos por atrair os olhos do mundo, de qualquer maneira. E será muito melhor, porque agradaremos com algo nosso, e não por tentar agradar.

     Mas, nem tudo são espinhos. Denis também afirmava que o povo brasileiro é muito criativo. Ele já via isto naqueles tempos, e é algo que nós não perdemos. Não é bem por ser algo elogioso, mas admito que ele acertou. Como disse, ele estava enganado sobre muitas coisas. Mas não foi à toa que ele se apaixonou.


Pablo de Araújo Gomes, 19 de fevereiro de 2010

O Complexo Simplício

     Seu nome é Simplício Pessoa. Para os que o conhecem, isto é uma piada. Simplício é boa gente, uma pessoa tranquila como ninguém. Mas, de simples, não tem nada! Ele não se incomoda com isso, claro. Não se incomoda com nada - o dalai lama se irritaria mais facilmente do que Simplício Pessoa. Habilidade, que talvez tenha aprendido ao conviver com o seu irmão gêmeo, o Silvestre. Mas aguardar que ele tome qualquer decisão pode ser um verdadeiro suplício. Jamais faça isso, sobretudo se tiver pressa! Não permita que ele tenha duas ou mais opções, pois ele não decidirá enquanto não houver realizado uma completa análise de cada mínima variável ou fator envolvido. E ele não estará nem aí para a sua pressa. Ele não conhece o significado da palavra aborrecimento.

     Você pode até duvidar, mas Simplício se gaba de fazer sempre a escolha certa. Também, pudera. Pensando tanto, assim, dói fazer a escolha errada. Às vezes, no entanto, o preço parece alto. Sua última decisão foi tomada sob a pressão e os olhares incrédulos de sua mais recente namorada. Ela impôs a sua sentença: "Ou o cigarro, ou eu!". E ainda se aborreceu, como se não conhecesse o Simplício. É claro que ele demorou uma eternidade para responder, e cada minuto a fez avermelhar-se mais de raiva. Quando ela estava já roxa, ele ofereceu o seu veredicto: se ela quisesse fazê-lo parar de fumar para o bem dele, ou seja, pensando nele, é porque o amava, e não o deixaria, no caso de ele não parar de fumar; já se a tentativa fosse para satisfazer alguma necessidade pessoal, ou, pior, ao próprio ego, ela não mereceria tal sacrifício. Em outras palavras, disse-lhe que não poderia largar o cigarro por uma pessoa que se declarava disposta a abandoná-lo.

     Tudo bem, Simplício. Certo, mais uma vez. Mas, ela o largou, sem mais, após deduzir que ele optara pelo cigarro. Mas o seu argumento não afirmava que ele continuaria fumando. Enquanto ponderava, percebeu que fumar não tinha sido uma decisão, mas uma imposição que lhe haviam feito na juventude. Ele, como sempre que pensa, tomou a decisão acertada: largou o cigarro, e nunca mais fumou. A namorada? Ela bem que quis voltar, mas ele viu que, como ele suspeitava, ela não o queria tanto quanto ele achava que merecia ser querido. Nem se aborreceu.

     A vida para Simplício é assim. Uma constante partida de xadrez. Você sacrifica a rainha para salvar o seu rei, e faz um xeque-mate com o peão. Cada escolha tem um fundamento, e nada é simples, nem óbvio. Pense bem, sem se deixar levar pela emoção, e você fará a escolha certa. Este é o lema do complexo Simplício.


Pablo de Araújo Gomes, 20 de Janeiro de 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Difícil Caso de Amor entre Gui e seu Andróide

  Gui.
  Todo mundo conhece Gui.
  É um cara sociável, calmo, tranqüilo. Gui é um sujeito da paz, como se diz por aí. Mas, há alguns dias, tem feito loucuras, como ninguém jamais imaginou que ele fosse capaz. Tudo por amor, lhes asseguro! Tudo por amor.
  Corre, aliás, pela cidade, o boato de que ele acaba de ser internado num hospício. Ou num asilo psiquiático, como alguns têm preferido chamar. Bem, seja asilo, sanatório, clínica psiquiátrica ou hospício, bom auspício não é para o pobre Gui, ser interrado num local como este, já que isto somente vem a agravar a causa de sua suposta loucura.

  Todo este drama começa, senhores, na quinzena passada. O pai de Gui, desejoso de lhe dar um presente de aniversário sem precedentes, deu-lhe Angina_Nº1, a última novidade em robótica e produção de andróides, com aparência extremamente fiel à humana. O modelo recebeu este nome porque, apesar do avanço da tecnologia, andróides ainda são, naturalmente, pesados, e, numa fase inicial dos testes o então não-nomeado robô caiu sobre o seu criador, deixando-o preso sob todo o seu peso. No lançamento oficial do modelo, ele chegou a declarar: "Este andróide é de tirar o ar, vocês vão ver!"
  De tirar o ar, mesmo. O riquíssimo pai de Gui quase desistiu, ao saber o preço. Mas, seu filho havia passado no vestibular, e já tinha um carro. O que lhe dar de presente. "Nada!", disse a mãe do rapaz, "Ele não fez mais do que sua obrigação!". Mas não seria o pai de Gui, se não lhe desse algo. Não sabia o quanto se arrependeria por tomar uma decisão tão temerária!
     Ao ver Angina, foi exatamente isso que Gui sentiu. Sentiu apertar-lhe o peito, faltar o ar. Seu coração quase parou de bater. Foi amor à primeira vista. Quando seu pai lhe disse que aquela moça não era tímida, mas um robô desligado, já era tarde demais. Gui, encantado que estava, já não tinha ouvidos para mais nada. Agradeceu o presente, e a levou para o quarto. Carregou sua bateria na tomada do ventilador, e a ligou. Por algum descuido, talvez, levou um choque, em algum lugar. Teve certeza de que Angina é uma garota chocante, e começou a rir. Programada a aprender com as reações humanas, Angina reproduziu seu gesto, rindo às gargalhadas. Gui sentiu no ar um agradável clima de cumplicidade. Ela era, mesmo, encantadora.
     Olhando direito, para Angina, com aquele olhar já apaixonado, Gui não podia acreditar. Ela o observava com a mesma expressão. Talvez, fosse apenas porque é programada a aprender com os humanos, claro. Seu pai já lhe alertara a respeito. Mas ele teve a clara convicção de que ela lhe retribuía o amor que ele por ela sentia. Levou-a para apresentá-la ao pai, que a cumprimentou, friamente, tão-somente para programá-la. Gui ficou sentido. Angina não sabia exatamente qual dos dois deveria imitar: o seu dono ou aquele que com ela interagia. Pela primeira e última vez em sua "vida", se é que assim se pode chamar sua existência funcional, ela escolheu pelo critério da interação. Isso não viria a se repetir, porque os seus sensores detectaram a grande insatisfação e Gui.
     Talvez fosse melhor com sua mãe. "Mãe, esta é Angina.". Com desdém, a genitora olhou de lado, e não deu atenção ao androide. "Mãe?", "O que é, meu filho?", "Esta é Angina". Silêncio. "Mãe?", "O que é que você quer? Que eu converse com um robô?". Angina, definitivamente, programaria sérias restrições a apresentações e cumprimentos.
     E, assim, Gui teve o cuidado de ensinar tudo o que podia a sua amada. Ensinada sobre seu universo particular, ela parecia pronta para ser apresentada aos seus amigos. Alguns a acharam muito fria. No sentido de comportamento, claro. O funcionamento dos circuitos e mecanismos a mantinha agradavelmente aquecida. Poucos de fato notaram se tratar de um andróide. Muito sensuraram Gui, porque ele a apresentava como sua namorada! Os demais afirmavam que ela parecia ter sido feita para ele. Ele não negava de todo tal afirmação, pois ela fora, mesmo, feita sob encomenda. Toda a produção era feita sob encomenda, e com aparência personalizada. O pai de Gui usou critérios próprios para definir como ela seria, mas teve o cuidado de acrescentar detalhes que conhecia sobre a opinião do filho.
     Mas, certa vez, caiu uma chuva. Angina suportava chuvas, e o contato moderado com água, sem problemas. Mas a chuva foi muito intensa. "A precipitação do dia superou em muito os milímetros esperados para todo o mês", declararam os meteorologistas. E Angina não estava pronta para ter água acima de sua sinuosa cintura. Vazou água para dentro de Angina, e os circuitos pifaram. Sem poder se defender, e muito pesada para ser protegida por Gui, ela foi arrastada pela correnteza. Gui culpou os céus por sua perda, como costuma fazer quem perde o grande amor de sua vida. Buscou por ela em toda a parte, mas era tarde. Ele ficou inconsolável.
     Após semanas, ela foi encontrada em um mangue, próximo do encontro do rio com o mar.
     Gui não pensou duas vezes: foi ao encontro de sua amada! Ela estava muito danificada. Seu pai pensou que talvez fosse melhor, que talvez isto desfizesse o encanto. Mas o verdadeiro amor é incondicional. Gui a levou para a fábrica, para ser reconstituída. Declararam perda total, e ofereceram-se para construir uma nova. Gui perguntou se trocariam o amor de suas vidas por outra, somente porque ela estava em coma. O agrumento foi forte, pois um dos cientistas responsáveis pela criação tinha uma esposa em coma havia dois meses. Mas, claro, argumentaram que ela era um robô, um objeto, algo plenamente substituível. Arrependeram-se pelo dia em que nasceram.
     Indignado, Gui saiu pelo mundo para encontrar algum cientista disposto a encarar o desafio de "ressuscitar" Angina. Mas sua tecnologia era muito avançada. Algumas empresas concorrentes ainda pediram para analisá-la, com o objetivo não declarado de estudar a possibilidade de entrar no mercado com um produto concorrente. Mas não puderam compreender exatamente todos os seus inovadores mecanismos.
     Após meses, Gui já não comia, não saía de seu quarto, não se banhava, não se cuidava. Queria morrer com Angina em seus braços. Bem, na verdade, Angina era muito pesada, então ele queria morrer nos braços de Angina.
     No auge de seu desespero, os pais de Gui o internaram numa clínica. Como se recusa a comer, ficou no soro. Como queria sempre retirar o soro, permanece dopado. Mas em seu olhar distante não parece perder de vista o sonho de encontrar Angina, viva e funcionando bem, para que ela acabe com sua dura dor no coração.

Pablo de Araújo Gomes, 12 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Inferno de Cada Um - II

     - AAAAAAAAAAAHHH!!
     Ouviu-se aquele grito ecoar por segundos, ainda, após ser proferido. E aquele grito de desespero não cessou, internamente, quando ela perdeu o restinho de seu fôlego. O que seria aquilo? Sentiu-se uma monstra, ao olhar no espelho. Que coisa horrível! Horrenda! Era... era... uma espinha!
     Procurou, inutilmente, o seu creme para espinhas, mas não o encontrou. Tentou espremer aquela medonha -e nojenta - bola de pus, não importava o quanto lhe doesse. E doeu. Doeria ainda mais se fosse vista daquele jeito. Mas não é possível! Quanto mais ela mexia, mais a espinha crescia. Num dado momento, crescera tanto, tão vermelha e inchada, que sua pele não pôde suportar a pressão. Estourou. Ela conseguira o que queria. Estava nojento, todo aquele pus, mas ela o lavava, e...
     - AAAAAAAAAAAAAHHHH!!
     No lugar da espinha, havia outra. igualzinha àquela. Só podia ser um pesadelo! Gabava-se de nunca ter tido espinhas, mesmo durante os piores momentos da puberdade e adolescência. Já distratara colegas feias, ou as belas que se surpreendiam com espinhas "horrendas" na face. Não que as tenha tratado mal, de fato, mas o seu ar de superioridade era notável e irritante. Ela sabia que era a garota mais bela, aonde quer que fosse, e os meninos sempre babavam por ela. Inclusive os mais belos.
     Mas, agora se sentia uma criatura mítica, um ogro, talvez! AQUELA espinha era a maior e mais horrenda que já vira. em toda a vida. Tinha que sair do banheiro. Resolveu ligar para a farmácia. Pôs a mão no rosto, com vergonha não se sabe de quem, e saiu pela porta do banheiro.
     Estaria ela enlouquecendo? Cruzando o portal, ela voltava ao banheiro, como se viesse de fora. Voltou, e percebeu que entrava, novamente, no banheiro. Voltou, e não saía do banheiro, como houvesse um banheiro idêntico ao seu, de cada lado da porta. Ela choraria de desespero, se não soubesse que isto a envelhecia tanto.
     Respirou fundo. Resolveu dar continuidade ao seu ritual diário de beleza. Cremes, massagens faciais, tudo precisava ser feito, ainda. Pegou seu creme anti-envelhecimento. Aquele era o seu predileto. Milagroso, e combatia seu maior terror, desde que entrou para a terrível e temida casa dos trinta e poucos anos. Aplicou, cuidadosamente, fechando os olhos, para tentar abstrair a inconveniente espinha. Mas, algo estranho quis lhe abrir os olhos. A textura de sua pele mudara e, ela resistiu a abri-los. Para seu total pânico os olhos denunciaram seu mais triste pesadelo. Ressoou mais um grito de desespero.
     Onde ela houvera passado o creme, sua pele envelhecera décadas, em segundos. Enrugara a pele, ressecara a tez de sua bela face. Não pareceria mais nova de que a sua própria avó, com mais de oitenta anos de idade. Idade, aliás, que dispensava alcançar, se porventura não pudesse evitar a aparência que tomava por degenerada. Não podia piorar. Não havia como.
     Mas, piorou! No lugar da espinha, o pior estigma da feiúra. O maior terror de seus pesadelos mais íntimos, a única coisa que seria capaz de superar uma espinha: uma grande e destacada verruga! Era, definitivamente, pior do que a morte! E tinha, até, cabelo! tentou arrancar o cabelo com a pinça. Pegou uma lâmina, para removê-la, mas temeu que lhe acontecesse algo pior à sua face, já deformada.
     Pensou, novamente, no que pensara anteriormente. Era pior do que a morte. Sim, era isso! Percebeu que este pensamento não lhe viera à toa. Compreendia, então, que tudo só poderia ser um castigo. Olhou para a porta do banheiro, e finalmente viu o seu quarto, apinhado de gente. Não teve coragem de cruzar a porta, embora sentisse que poderia sair do quarto. O seu temor era ser vista pelos presentes, naquele estado.
     O que tanto fotografavam, aqueles jornalistas intrometidos? O que poderia haver de tão interessante em sua cama? Algum comentou, jocosamente, que poderiam vender as imagens para Hollywood, para os filmes de terror voltarem a assustar alguém. Outro o sensurava, porque não estariam em local ou ocasião para brincadeiras. Não haveria ocasião mais inconveniente, mesmo. Ela pedira por aquele triste fim, mas, após a morte, merecia um pingo de respeito que se lhe pudesse dar.
     Ela não resistiu. Cobriu a face, e entrou no quarto, onde viu que, realmente, havia algo sobre a cama. Abafou um grito, para não chamar atenção para si, ao reconhecer sua camisola rasgada, que exibia um corpo deformado sobre a cama. Havia alguém, cuja identidade resistia em reconhecer, ou aceitar a identidade que lhe atribuía. Mas não podia mentir para si, mesma. Começava a entender. Ninguém a veria, simplesmente, porque ela não estava ali. Estava morta. E, muito pior do que ela, estava o seu corpo, sobre a cama, o corpo deformado, a face disforme, irreconhecível, realmente dignos de filmes de terror. Ouvia aqui e ali. Houvera sido vítima de um crime passional.
     Sabia que não deveria ter confiado naquele homem, mas ele era tão lindo. E o homem mais lindo era o adorno perfeito para a mais bela mulher da cidade. As mulheres, com certeza a invejavam, quando ela desfilava com ele a tiracolo. Certamente, não mais invejariam, agora. Sentiu alguma pitada de vergonha. Não conteria mais o choro, neste momento não houvesse percebido que, enquanto parecia estar invisível a todos os presentes, um rapaz encostado na porta do quarto a observava.
     Como ele era feio! Causava-lhe asco somente a visão daquele arremedo de homem, que não tirava os olhos dela. Com um sutil gesto, como se pudessem ser vistos por mais alguém, ele a chamou para si. Não podendo recorrer a mais ninguém, ela resistiu a seu nojo, e andou em sua direção. Pensava todo o tipo de interjeições, ao olhar aquele rosto estranho.
     - Você, por acaso, já se viu no espelho, para estar me julgando assim?
     Ela ficou estatelada. Ele lera seus pensamentos? Ou será que sua expressão de nojo era tão clara, que transparecia seus pensamentos?
     - O que?
     - Quer sua vidinha tola de volta?
     Ela ficou séria. Parecia uma espécie de brincadeira de mal gosto. Mas ele permanecia sério, diante dela.
     - Você pode fazer isso?
     - Ainda está em tempo de reverter tudo.
     - VOCÊ - e destacou cada sílaba de sua frase - pode fazer isso?
     - Se VOCÊ fizer um trato comigo.
     - Qualquer coisa!
     - Tenha calma. Vou fazer de conta que não ouvi. Não se comprometa antes de saber o preço do que almeja...
     - Como assim? - ela estava, mesmo, intrigada.
     - Você faria, mesmo, qualquer coisa pela sua vida?
     - Qualquer coisa! - ela insistia em responder sem pestanejar.
     - Namore-me. E este compromisso deverá ser publicamente assumido. Você é uma pessoa pública, quero que convoque a imprensa, e cada revista de fofoca para me exibir como seu novo parceiro.
     Já entre as primeiras palavras, ela assumira, novamente, a expressão de total rejeição. Mas encararia. Mas, a idéia de assumir publicamente um relacionamento com uma coisa tão feia. Ela viraria piada pública.
     - Deus me livre! Jamais!
     - Ele livraria! Se você aceitasse, claro! Mas, você disse o que eu queria ouvir.
     Como num passe de mágica, ele se transformou no homem mais belo que ela já vira. Algo de familiar... Era ele! Ele a matara!
     - Você selou o seu destino. Somente sairá daqui, quando entender o real sentido da palavra beleza! Cuide-se!
     Antes que ela pudesse respirar, percebeu que estava numa sala enorme. Havia espelhos em cada parede, havia espelhos em cada coluna. Uma verdadeira academia, uma penteadeira, inúmeros produtos de beleza e equipamentos afins. E espelhos. Muitos espelhos. Ela via que era ela, em cada espelho. Mas cada espelho mostrava uma face diferente, como estivesse diante de espelhos que a distorcessem. Mas não a distorciam, não, e ela entendeu isso. Era ela, mesma, como ela realmente era.
     É que, a cada espelho, ela via um defeito seu. Não espinhas, verrugas, rugas, pés-de-galinha... Não. Via sua soberba, sua empáfia, sua inveja, sua desonestidade. O maior dos espelhos, sua vaidade, mãe de cada um de seus defeitos.
     No fundo, sabia que, se, um dia, conseguisse ver a mulher por trás daquele monstro horrendo que cada espelho abrigava, se abriria alguma passagem para onde ela pudesse ter paz, finalmente. Mas, por um bom tempo, ela estava aprisionada pelo mais terrível dos monstros: ela mesma.

Pablo de Araújo Gomes, 20 de janeiro de 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sabores

     "Doce". Há palavra mais doce, quando queremos qualificar algo agradável ou alguém gentil? Decerto que não. Está na boca do povo, é preferência nacional. Já ao desagrado, o chamamos de azedo, de salgado ou, pior, de amargo.
     Entre estas belas figuras de linguagem que enriquecem o nosso idioma, oculta-se um engano comum. Nem tudo que é doce é tão agradável, como nem tudo que diz respeito aos demais sabores causa desgosto. De fato, os doces são os preferidos de onze entre dez crianças, regra de rarississíssimas exceções. E é o instinto do Homem falando. Na natureza, onde o alimento era escasso, uma fonte tão rica de energia (os açúcares) não poderia jamais ser desprezada, e nosso organismo aprendeu isso muito bem. Aliás, o mesmo vale para gorduras e demais alimentos calóricos, o que explica porque tudo o que é gostoso faz mal ou engorda, como diz o velho ditado! Mas isso é outro assunto.
     No entanto, os doces nem sempre gozam da mesma popularidade entre os mais crescidinhos. É só reparar nas festinhas de suas crianças: enquanto a criançada se esbanja na mesa de doces (ou fica babando, enquanto o consumo ainda não foi liberado), os convidados adultos não tiram os olhos das coxinhas, os bolinhos de chuva e os demais salgados. Se fôssemos justos, então, um preço salgado talvez devesse ser o mais procurado pelos adultos, não o mais caro. Por outro lado, justiça seja feita, quem gostaria de ser definido como "sem sal"? Uma pessoa sem graça, sem gosto, que nem cheira nem fede, é o que quer dizer. Quer dizer, cheirar e feder já é invadir o reino de outros sentidos; atenhamo-nos ao paladar! Mas, afinal, pelo menos, reconhece-se algum valor no sal. Se bem que, pensando bem, sal, soldo, de onde vem soldado ou salário, são expressões diretamente relacionadas, no passado, com a utilização deste artigo - o sal - para a remuneração dos militares. Isso, quando a extração do sal era algo considerado árduo, poucos o conseguiam e, por conseguinte, este artigo ainda não havia deflacionado tanto. Talvez, naqueles tempos, "sem sal" fosse alguém liso. Quero dizer, liso, no sentido de duro. Ai, ai, lá vou eu, invadindo novamente o espaço de outros sentidos! Perdoem-me por esta breve confusão cinestésica! O que quero dizer é que, naqueles tempos, se havia esta expressão "sem sal", certamente designava alguém de recursos limitados, sem renda. Pobre, em outras palavras. Talvez, então - e isto é apenas uma suposição, sem nenhuma base científica -, ser "sem sal" tenha a ver com esta origem em que sê-lo era sem graça para quem gostaria de unir-se maritalmente com alguém mais "bem dotado". Sabe lá!
     E o amargor? Todos pensam no jiló, ou associam o amargo a este impopular vegetal que, pessoalmente, nunca tive o prazer ou desprazer de experimentar. Sobre este alimento, nada a declarar, portanto. Mas, que tal um cafezinho? Ou uma cervejinha? E o que você pensa do chocolate? Calma, tudo bem. O chocolate, no mais das vezes, é adoçado, é verdade. E o café, pela maioria das pessoas, também. Mas, e a cerveja? Principalmente a pilsen, que de doce não tem nada! E vou além! O chocolate já era sucesso absoluto em solos das américas, antes mesmo deste imenso continente ser conhecido por este nome. E não era adoçado, como, sem perder a popularidade, permaneceu por um tempo. E, tanto ele como o café ainda têm consumidores que adoçam pouco ou sequer adoçam. Você se surpreenderia, se passasse o dia em algumas boas cafeterias!
     O azedo, coitado! Um fato que azeda uma relação amorosa pode terminar levando um namoro ou casamento pelo ralo. Ou para o lixo, sem direito a reciclagem! Isso, porque o processo de fermentação que estraga os alimentos os deixa azedos, azeda-os. Entretanto, o azedume não tem que ser ruim. Que o digam os fãs da acerola, do limão, do morango, da coalhada, do abacaxi, das uvas roxas, etc e tal, só para ficar em exemplos. E, se aliado ao doce - olha ele de novo -, o azedo é ma ótima pedida! Na verdade, o simples inalar do cheiro de um alimento azedo conhecido tende a acelerar a salivação, mais do que de qualquer alimento seu predileto! Viva o azedo!
     Enfim, se mais ou se menos, não importa, realmente. O fato é que os sabores são magníficos, uma verdadeira delícia que precisa ser explorada. E a combinação dos sabores é como a combinação dos instrumentos de uma orquestra. Sei, sei, estou invadindo, novamente o terreno de outros sentidos. Mas que se dane! Talvez, mais que a predominância de um sabor sobre outro (o que é natural, e até positivo), o problema é a medida de cada sabor. O excesso ou a falta de sabor, aí, sim, é onde mora o problema! Sal demais numa refeição pode deixá-la intragável! Há um exame médico que usa uma grande dose de açúcares na forma líquida, cujo gosto termina por dar a muitos ânsia de vômito e outras sensações desagradáveis. Algo azedo demais, ou amargo demais, nada vai agradar! Isso, porque, além dos sabores, não falei de sensações complementares, como a refrescância da menta ou a picância da pimenta... Tudo demais pode ser ruim, mas na medida certa, é banquete garantido!

Pablo de Araújo Gomes, 13 de Janeiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Silvestre Pessoa

"Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Falava de negócios, ria, via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua"
(Belchior)

     Silvestre é um homem muito urbano. Não que ele seja gentil, simpático ou sociável, como se costuma querer dizer com este adjetivo. Muito pelo contrário, ele é urbano como são as grandes aglomerações urbanas de hoje em dia: frio, frenético e incansável.
     Sua rotina de trabalho inclui os três turnos. Às vezes, os quatro, quando ganha um extra com algum bico na madrugada. Mas não reclama. Quer dizer, reclamar não reclama, mesmo. Mas ninguém mais turrão e mal humorado jamais foi visto em qualquer um de seus ofícios. Não cumprimenta ninguém,

domingo, 17 de janeiro de 2010

Ô, Glória!

     A moça se chamava Glória. Irmã Glória, é como era conhecida em sua igreja. Evangélica, recatada, certinha como poucas. E linda! Lindamente, linda, dos pés à cabeça. Não é que fosse vaidosa, porque ela não era, mesmo. Mas era de uma beleza exuberante, na simplicidade de suas eternas saias longas, seu cabelo escuro que, de tão escorrido, não se segurava preso. Fazia bem de estar sempre na igreja, porque, num pagode ou num baile fanque, ela seria o pecado em pessoa!
     E, com seu sorriso brilhante, cativava a todos, principalmente aos rapazes, que eram evangélicos, não santos. Aliás, a igreja não os aceitaria, se fossem santos, já que não acreditam em santos. Mas, como dizíamos, ela cativava a todos, principalmente aos rapazes, que pecavam em pensamento, e não o podiam negar. De certo modo, desistiram de negar. Iam mais cedo para a igreja, na esperança de conseguir um dedinho de prosa com a bela moça. Quando ela também chegava mais cedo, era amém pra todo o lado. Quem conseguia sua atenção só pensava em aleluia.
     E, quando ela passava, com seu rebolado feminino inevitável, sua natureza de bela mulher falava alto. E a natureza dos rapazes, que não conseguiam evitar um olhar indiscreto, também. Ver aquela beleza desfilar era uma bênção! Ô, glória!
     Ela, um dia, ouviu os rapazes em tal exclamação. Pensou que a chamassem. Bem, falavam dela, mas não necessariamente o seu nome. Mas não assumiram. Deram um sorriso amarelo, e disseram que falavam de outra coisa. Mentir é pecado, pensaram, mas orariam pelo perdão. Não podiam era assumir a razão de sua exclamação! Certa vez, ela até deu uma bola para um abençoado. Acho que o invejaram tanto, que não teve glória que subsistisse. E Glória o pôs de lado, como uma criança que enjoa de um brinquedo. Ele apelava: "ô, Glória, me deixa não!"; e os rapazes, vendo a reação da moça, comemoravam: "Ô, glória! Ela deixou!"
     Há quem diga que Glória se casou. Há quem diga que não. O fato é que nunca mais se ouviu falar em Glória. Mas, a cada exclamação, os rapazes ainda pecam em pensamento. Ô, Glória!

Pablo de Araújo Gomes, 16 de Janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Altruísmo Cego e o Consciente

     Caridade.
     A Idade Média e a Igreja Católica (conceitos que quase se confundiam) eternizaram esta palavra como uma das mais importantes e seguras portas para a salvação de sua alma. E, falando em espírito, muitos dos espiritualismos, inclusive sua mais completa e ilustre vertente (nada contra as outras correntes), o Espiritismo (de Allan Kardec) também valorizam a caridade como uma parte importante do caminho rumo à iluminação espiritual.
     Hão de me perdoar os certinhos e os moralistas, mas acho que supervalorizam a caridade. Não, não sou o anti-Cristo! Não me venham crucificar, por favor! Eu disse que a caridade é supervalorizada, e é mesmo. Não disse que é ruim. Eu também a acho importante, e a pratico, se acaso vocês duvidam que eu a ache positiva. Isso, apesar de crer que muitos fazem um pequeno gesto de caridade, a boa ação do dia, apenas para ficar de consciência tranquila, e se eximir do dever de fazer algo realmente significativo que lhes dê mais trabalho. Não, não resistam às idéias que lhes trago. Leiam-me, e entenderão o que lhes digo.

     Permitam-me fazer algumas citações: o Rei do Baião, grande mestre Gonzagão, já dizia "A esmola mata de vergonha, ou vicia o cidadão". Dispensaria comentários, só de se bem observar nas esquinas e semáforos de sua cidade. Mas, como reforço, lembro-lhes de Antoine de Saint-Exupéry, que fala, em uma obra sua de cujo título não consigo me lembrar, daqueles mendigos que expõem as suas chagas, para demonstrar que não têm como trabalhar, e que precisam de uma ajuda para se curar; mendigos esses que, no fim do dia, futucam suas feridas, e até lhes esfregam todo tipo de sujidade, para não perder sua fonte de renda.
     Enquanto isso, a sabedoria popular ensina que é melhor ensinar a pescar do que simplesmente dar o peixe. Sobre isso, permitam-me lembrar que os comunistas de última hora há muito dizem: "Dar esmola atrasa a revolução!". Sim, é verdade. Sob a ótica de quem espera que o miserável, não suportando a miséria, faça a revolução, dar-lhe esmolas o coloca em uma situação de conforto, na qual, ainda que na miséria, não se tem com o que se revoltar. Muito sábia colocação! Parando de se dar a esmola, o sopão, o peixe, o pão, o miserável sai da zona de conforto, de dependência, e vai atrás do trabalho, ou se organiza com seus iguais para virar o jogo através da revolução! Ingênuo, não? Também acho, mas devo admitir que é bonito! Porém, não creio, também, que, sem nada para comer, na mais completa miséria, se possa pensar em algo mais do que a própria sobrevivência, quando muito na das crias. Sim, o bicho-gente também é animal! Então, não podemos abandonar por completo a caridade, mas temos que ter cuidado com a esmola. Esmola não é caridade, é veneno! E nem sempre dar esmola é dar uns trocadinhos, há muitas maneiras de se cometer este crime social. Há muitas outras citações, algumas bastante interessantes, mas, assim, não escrevo hoje!
     Então, colocando as idéias esparsas em ordem, eu diria: é preciso eliminar a dependência, ensinando a pescar, não deixando, no entanto, que o aprendiz fique sem comer até o dia de sua "formatura" como pescador. Mas, tão logo aprenda, e tenha onde pescar (detalhe importante, como discorreremos), não se pode manter a ajuda, sob pena de provocar o vício da acomodação.
     Certo. Mas, ainda assim, subsiste uma dúvida: como ser solidário? Devemos esperar emergências, como estes terremotos no Haiti, ou  aquelas tsunamis de poucos anos atrás, na oceania? Por óbvio que devemos contribuir, e rápido, mas não. Não é a única maneira de agir. Há muito o que se fazer, por aqui, e já!
     Acontece que, como vimos, dar esmolas a  uma criança, no sinal, estimula que ela jamais tente, quando crescer, outra renda que lhe dê mais trabalho; comprar aqueles confeitinhos ou canetas, pior ainda, porque estimula a exploração infantil! Ou vocês realmente acreditam que aquela pobre criança (pobre, mesmo!) vai ver a cor do seu rico dinheirinho? Nem sonhem! Muito mais efetivo é procurar uma instituição séria, e acompanhar os trabalhos. Dar dinheiro à instituição? Pode ser, se você conhece e ela presta contas direitinho. Afinal, dinheiro também é necessário, e muito, para se manter funcionando. Mas, se você é bom com crianças, por que não passar o dia recreando crianças carentes? Ou uma tarde conversando com algum(a) senhor(a), num asilo, onde muitos são abandonados pela família e passam anos esquecidos, em sua infinita solidão. Ou, quem sabe, visitar um bom hospital do câncer e dar força a um paciente terminal, ou divertir uma criança; quem sabe abraçar um paciente com hanseníase (desde, claro, que esteja sendo tratado, sem risco de contaminação), após alguns minutos de boa conversação sobre frivolidades. Você não faz idéia da força que isso tem. Ou doar sangue, se sua saúde permite. E, se for doar algo a alguma família carente, que tal conversar com os membros desta família? Não são apenas receptáculos de sua boa-vontade: SÃO PESSOAS! Não posso lhes dizer que já fiz tudo isso, seria mentira. Mas já fiz alguns, e pretendo repetir a dose. Outros, faço-os com regularidade.
     Parece-lhes que já falamos tudo? Se sim, o seu equívoco é grande!
     Vamos imaginar uma situação hipotética: você acompanha uma boa instituição, que realiza a nobre obra de tirar crianças das ruas, e do risco iminente de caírem no mundo das drogas e/ou do crime. Ótimo! Isso jamais será pouco! E, jamais, será suficiente, também. É preciso que, ao crescer, e não mais poder ser atendida pela instituição, este novo adulto possa não ser apenas mais um miserável nas ruas. Aliás, esta cena é bastante comum, bem mais do que você pensa. "Nós até queríamos ajudá-lo mais, mas você já é bem grandinho. Te vira!", "Mas eu não tenho trabalho, nem onde morar...". Com sorte, a instituição terá ensinado o jovem a pescar, e, com sorte, tome-lhe a vara! Vá pescar por conta própria! "Mas este canal não tem peixe!", "Sinto muito, mas não podemos fazer nada por você". Infelizmente, na maioria dos casos, este jovem jamais teve uma formação semelhante à de uma criança da classe média. Às vezes, não passa nem longe disso. E, hoje, até para quem tem boa formação, tudo poderá ser bastante difícil.
     Bem, chega de pessimismo! Queremos solução. Com um pouco mais de dinheiro, uma poder-se-ia criar um projeto menos pontual, mais amplo, que reestruturasse a comunidade, orientasse os adultos a formarem cooperativas de acordo com a vocação econômica local, a se organizarem, a progredirem, que facilitasse o crédito para a realização deste investimento. Deste modo, aquelas crianças se sentiriam inspiradas a, na medida em que crescessem, seguir o exemplo dos pais, tios ou conhecidos. Não seria mais esmola, não seria mais somente ensinar a pescar, num rio sem peixe. Seria dar semente, terra e orientação, e dizer: plante, que, em se cuidando, fruto dá!
     Ah, você não tem esse dinheiro? Realmente, criar instituições como esta, com tal estrutura, depende de mais dinheiro do que para fundar uma ONG (Organização Não Governamental, entidade sem fins lucrativos que objetiva um bem social) qualquer. Pior, muitas empresas ou multimilionários têm acesso a idéias e projetos semelhantes, mas contentam-se em engavetar. Muito triste, não? Mas não tem que ser o fim do mundo, não! Por que as ONGs, e demais instituições que atendem um determinado município ou uma comunidade, não firmam parcerias para um trabalho mais coordenado e eficiente? Isso está ao alcance de muitas delas. É difícil? Claro! Realizar trabalho social é difícil, lidar com pessoas é difícil, e não deixam de fazê-lo, por isso.
     O Homem (raça humana) produz e extrai mais do que realmente necessita. E desperdiça (ou acumula, graças à lógica capitalista) grande parte de tal produção, inutilizando-a, enquanto grande parte da população humana, paradoxalmente, passa fome e toda sorte de privações, em pleno século XXI. A verdadeira solução para resolver este problema, ou pelo menos minimizá-lo, não é a caridade, como muitos pensam. Enquanto pensarmos nisso, não funcionará. A caridade é um paliativo, um assopro na ferida. A solução está na cooperação, no mutualismo. Mas isso é visto como coisa de comunista, de anarquista, ou de qualquer outra corrente filosófico-social que não recebe o devido crédito por culpa do preconceito. Sopra-nos, então, assoprar as feridas, na ilusão de que isso, por si só, vá fazer mais do que aliviar o incômodo da eterna chaga.

Pablo de Araújo Gomes, 15 de janeiro de 2010

domingo, 10 de janeiro de 2010

Anatomia Feminina

     Minhas amigas têm me perguntado de maneira reticente, há anos, a mesma velha e desgastada pergunta de sempre. Pois agora vou responder, e bem respondido, para que não me venham mais com esta pergunta. De qual parte da anatomia feminina eu gosto mais?
     Antes de mais nada, deixem-me esclarecer um equívoco comum. De que parte eu gosto mais, é uma coisa; o que me dá mais tesão, aí já é outra. O que me atrai mais, é uma coisa; o que me excita é outra. Não me venham taxar de hipócrita ou adjetivos afins, quando eu, então, responder ao tão realizado questionamento.

     Não seria exagero dizer que, em momentos passados, eu responderia algo que confundiria estas diferenciações. Imaturidade da juventude, posso-lhes assegurar. Mas, hoje, já vejo com clareza o que há a ser visto. Vamos de trás para frente. Não na anatomia, mas na ordem das questões. Quero dizer, vamos do que se espera ouvir, e, depois, à resposta mais apropriada para a minha verdadeira opinião.
     Anatomia? Normalmente, nesta pergunta, não se quer saber de anatomia, mas de sexo. De que mais gosto? É até difícil responder... Eu me considero até versátil. Não sou podólatra, mas acho lindos os pés de uma mulher. Dos macios e delicados, da moça urbana aos feridos e calejados de uma bailarina, compridos ou pequenos, todos podem ter seu charme.
     Pernas! Adoro as pernas! Desde aquele tornozelo bem torneado até quando acabam, nas proximidades de... Ah, já repararam que os joelhos costumam ser diferentes, de pessoa para pessoa? Pois é. Até isso pode ser belo numa mulher. Quem diria? Os joelhos, sim! E as coxas! Aí, sim! Uma coxa bem trabalhada, torneada, dura, carnuda, enfim, uma perna feminina. Hoje em dia, há muitas espécimes de pernas basicamente masculinas nas mulheres. Sou obrigado a admitir que esta nova corrente não me agrada muito. Mas pode ter o seu valor, há quem goste.
     Subamos mais um pouco. Barriga, vocês conhecem? O terror das moças, e mais ainda das não-moças que não se dão com seus anticoncepcionais. Mas, hormônios à parte, o maior vilão da barriga é a alimentação inadequada. E haja coca-cola! Pois bem, que seja. Quem vive a ditadura da barriguinha malhadinha é modelo, gente! Não estou dizendo que não é bom uma barriguinha sequinha; eu, mesmo, ADORO! Mas, há muito mais a ver numa barriguinha! Há aquelas completamente lisinhas, as que possuem uma discreta camada de pêlos finos e delicados, e até as que literalmente mostram o caminho para mais em baixo. Com delicadeza e um pouquinho de cuidado, a barriga pode ser um charme, mesmo que não seja um tanquinho. Ouviram, meninas? Cuidem-se, mas não se envergonhem de suas barrigas!
     Ah, estou até tentando ser compacto e claro, mas não dá! Vou, agora, apenas listar. As costas de uma mulher, os ombros (sim, os ombros! Se não fossem belos, não haveria tantos modelos a exibi-los), pescoço, a face, os cabelos, a maçã do rosto, orelhas, os seios da face, os seios (ah, um bom decote!), enfim... tanta coisa! A anatomia da mulher tem um encanto único! Ah, e, para não soar hipócrita, vou dar uma atenção à preferência nacional. As nádegas. Popularmente conhecidas como bunda, bundinha, bumbum. Que seja! É muito bom, não nego! Mulheres que o têm, sois felizardas, agraciadas por um bem genético que a malhação até pode ajudar a compor, mas não constrói completamente! Gosto, sim. Mas, começando a responder às perguntas, apesar de toda a mulher ser bela e especialmente atrativa, eu tenho que admitir. Há uma certa parte do corpo da mulher que, honestamente me parece muito injustiçada!
     Sim, muitos já podem ter compreendido. Outros, não, talvez. Mas, que a púbis, quer dizer... a genitália feminina, ela mesma, tem uma péssima fama, a de ser feia, isso é verdade. O que não me parece justo ou verdadeiro é que mereça esta fama, que em minha opinião se dá em parte devido a valores sócio-culturais, em outra à vulgar exploração de sua imagem pela indústria da pornografia. Sobra pouco para opiniões majoritariamente estéticas. É bela, sim. Em vários ângulos. Em algumas situações, chega a ser como uma flor delicada, o órgão (ou conjunto de órgãos) mais complexo e completo que Deus ou a mãe Natureza deu a uma de suas criaturas. Eu esperava escrever este trecho com mais poesia, como o tema bem merece. Talvez, o sono não me permita. Mas, afinal de contas, falávamos, ainda, apenas de atração, apenas de tesão. Então, de que, afinal, mais gosto na anatomia feminina?
     Entendam-me, quando digo que tudo o que até agora disse foi uma resposta às objeções à minha verdadeira resposta. A parte da anatomia feminina de que mais gosto são os olhos! Sim, claro, os olhos! Não me venham dizer que não é o que primeiro olho. Fico louco de incômodo quando uma mulher me atrai, e está usando óculos escuros! Fico querendo vê-los muito mais do que, como voyeur, me interessa ver decotes ou um lance. Gosto de admirá-los, mesmo quando a garota não me interessa. Os olhos são encantadores, são belos e verdadeiros. Olhos que sorriem, olhos distantes, olhos de ressaca, como os de Capitu... Olhos! É o que acho que há de mais belo e perfeito na mulher.
     Mas, a maior razão pela qual eu amo os olhos é que, com toda a divina perfeição que somente à mulher a criação atribuiu, há algo que supera, ultrapassa todos os demais caracteres que a formam. É a alma feminina! Este espírito de doçura, delicadeza e inteligência que nós, homens, nunca teremos, é o que acho mais belo na mulher! "Mas isto não é parte da anatomia feminina!" objetará alguém menos perspicaz. Desculpe-me, se eu falava de você, caro leitor, ninguém ficará sabendo se você não o disser. Não faz parte da anatomia, claro, concordo. Mas é lindo como os olhos são capazes de transparecer tudo, e denunciar o que há por trás daqueles seios siliconizados e daquele físico escultural malhado por horas a fio todo dia na academia. São os olhos que revelam quem você realmente é, e a sua beleza a cada dia mais me encanta. "As janelas da alma", segundo a sabedoria popular. É verdade!
     E isso, para ser mais sincero ainda, não é só o que acho de mais belo na mulher. Quando o animal dentro de mim não está gritando desesperado por sexo, e eu penso com mais clareza, também é um olhar o que mais me excita, o que mais me incita à imaginação, e não a exposição do objeto que se tornou o corpo da mulher, abundante, em toda a parte, da forma mais vulgar possível.
     Respondida a pergunta?


Pablo de Araújo Gomes, 10 de janeiro de 2010

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Inconstância

     Inconstância.
     Talvez, a vida não se devesse chamar "vida", mas inconstância. Todo o universo, na verdade, não apenas a vida. Não é uma mera questão de semântica, vocabulário, ou de mera definição. Vai além da questão vernacular. Nada é estático. Em uma canção do clássico musical  "Jeckyll & Hyde", na Broadway, o protagonista - quando sob controle de seu "eu" bonzinho - brada, uma verdade digna da atenção recebida: "The only thing constant is change".
     O ilustre cientista britânico, que ilumina os sonhos dos espectadores, na Broadway - e cuja segunda personalidade, antagônica, assombra os palcos desta região ícone do teatro - não está enganado. A única coisa que continua, sempre, é a mudança. Ainda assim, para não se contradizer, a mudança não é tão constante, tendo seu ritmo alterado de forma que nos parece aleatória..
     Há mais, sejamos mais concretos: o universo está em movimento de expansão, não vai parar. O Sol, aparentemente "quietinho" no seu lugar, está em constante movimento; além disso, esta mesma estrela que nos ilumina há alguns bilhões de anos e garante nossa existência, ainda vai terminar por devorar a terra, daqui a mais alguns bilhões de anos. As pedras, os diamantes, ingênuos símbolos de resistência e durabilidade, são perfeitamente moldáveis, nem que pelas forças da natureza, e, antes que o Sol ou algum buraco negro os devore, terão sido alterados, ou mesmo desintegrados por algum processo. Aliás, achamos, mesmo, que estas coisas vão demorar muito para acontecer, mas é porque a nossa existência material é tão ínfima, que não percebemos que não passamos de um piscar de olhos, na existência do universo.
     E é assim, entre tentativas e investidas, vitórias e derrotas, sucessos e fracassos, namoros, separações, caças e parcerias, que, a cada momento, a vida e o universo se renovam, inconstantes a ponto de nunca deixar de nos surpreender! É aquela pitada de um tempero desconhecido, que dá o sabor único que nunca se repetirá em outra receita. Saboreie-a!
     Bon Appétit!

Pablo de Araújo Gomes, 08 de janeiro de 2010

Tarcia Danielle

"Como eu poderia esquececer do poeta das estrelas? Daquele que diz amar o mundo a cada página? Amá-lo é como andar numa montanha russa em zigue-zague... Fazê-lo sorrir é mais gratificante que ver o dia amanhecer. Ficaria a eternidade entre as sombras que fazem as suas mãos ao tocar um OBJETO, nada mais... O que eu não daria para estar entre os seus mais profundos desejos? Para saber que um dia ele suspirou por mim"
Tarcia Danielle

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Um Novo Ano Novo Para Vocês!!

     Saudações, caros leitores!
     Priemeiramente, embora pouco relevante, tenho de revelar que um conto de Natal que deveria ser estar no ar desde ainda antes da véspera não pôde ser postado. Por alguma razão que não compreendi (e que agora é pouco relevante), simplesmente não consegui acessar o blogger e o Literatura Errante de computador algum aqui em Recife. Mas o bom, caros amigos, é que isto me serviu para descobrir que o nosso espaço literário já é lido até na Alemanha!!! Sim, já embarcamos na Europa, através da rede internacional! Tudo bem, não preciso dizer que foi uma grande amiga minha que leu, né? Mas já foi um novo passo do Literatura Errante no exterior, depois que eu soube que era lido por um velho amigo, nos Estados Unidos... Será que eu não deveria investir nas comunidades brasileiras no exterior??
     Bem, não posso esquecer de me lembrar. Por conta das circunstâncias que me cercaram nas últimas semanas, estou em débito com alguns de nossos leitores, como uma crônica que escreverei para o nosso amigo Isaac, e umas estórias não tão fictícias quanto a maioria das que costumo escrever. Uma delas, aliás, é uma das quais gosto de me lembrar, de tempos em tempos, e alguém nela presente já disse que queria saber como dela me lembro. É, então, uma das minhas promessas para este ano, então.

     Mas, enfim, após uma temporada distante da civilização, onde a telefonia - móvel ou fixa - não funciona como se poderia esperar, e a internet é quase uma lenda, finalmente estou de volta ao Recife! E retomarei, aos poucos, com novos poemas, crônicas, contos e tudo mais a que temos direito.
     E, como não poderia deixar de ser, inicio as crônicas deste ano com este dedinho de prosa, em prosa, só para desejar-lhes, a todos, todas as coisas boas, também, claro, mas, acima de tudo, MAIS UM NOVO ANO NOVO PARA TODOS!!!!!


Pablo de Araújo Gomes, 04 de janeiro de 2010