Certo dia, aprendemos algo, muito provavelmente um ensinamento que já traz implícito um ponto de vista, uma ótica. E sobre isto aprendemos daquele modo, e o tomamos como verdade. E pronto. Mas a vida é muito dinâmica, e aquele mesmo ensinamento é ensinado a uma outra pessoa, no entanto, com outra ótica. Esta outra pessoa o toma como verdade. E pronto. Até aí, nada de mais. A diversidade de opiniões enriquece o debate e amplia a capacidade de raciocínio.
Só que, eu dizia, o ser humano é incrivelmente conservador. E o encontro entre estas duas pessoas, cada uma com a sua bagagem, não vira um rico debate, mas uma disputa pelo título de real dententor da propriedade da mais absoluta verdade. Ninguém abre mão do que crê ser verdade, ninguém aceita a possibilidade de o que julga saber ser tão verdade quanto a verdade dos outros, muito menos que seja menos verdade.
É isso que gera alguns preconceitos, por exemplo. Em muitos dos países que se alinharam ao lado capitalista, na chamada Guerra Fria, ser comunista é algo como ser leproso, mas sem hospital especializado. No próprio país que encabeçou esta face do conflito ideológico, os Estados Unidos, a forma mais eficiente de se abaixar a popularidade de um político é acusá-lo de realizar gestos socialistas ou socializantes. Ainda é pior do que ser associado ao terrorismo, o grande vilão dos EUA nos últimos tempos. E olha que a guerra fria acabou no século passado!
Eu também não estou livre do conservadorismo. Nem sequer gostaria de estar, pois há coisas que devem ser conservadas pelo máximo de tempo possível. Não como os obsessivos personagens de Huxley, ou o papa Bento XVI, com a ilusão da total estabilidade e da verdade eterna e imutável. Mas não posso deixar de encontrar resistências a algumas mudanças. Quem quer trocar a segurança do que já é certo pela incerteza de algo que pode ou não obter um sucesso futuro? Resisto, assim, a determinadas mudanças em minha vida pessoal, a específicas mudanças na carreira acadêmica ou profissional, ou a mudanças na ortografia oficial. Pôxa, eu sempre fui bom em ortografia, e agora tenho que reaprender uma tuia de coisas!
Mas, ao pensar novamente, e com mais calma e serenidade, somos obrigados a admitir que os chineses estão certos há milênios, desde muito antes do que sonhamos. Não é novo para eles o conceito de que tudo muda o tempo todo. Não é que Parmênedes estivesse errado (e em meu ponto de vista, estava certíssimo), mas que Heráclito de Éfeso acertou em cheio! Acho, até, que ele devia ter em algum lugar um amuleto do Yin Yang consigo para onde ia. De fato, o equilíbrio é apenas um breve (infinitesimal) estágio entre um e outro desequilíbrio. Você pode retardar a mudança, nunca impedi-la. Tudo passa, e essa sensação de finitude, de que a humanidade, e, pior, a sua vida vai acabar tira qualquer um do sério.
Por outro lado, não temos que ficar como loucos, viciados, como canso de ver, em novidades. Outro dia, ouvi que o mal dos conservadores não é ser conservadores, mas não saberem o que conservar. Eu queria descobrir o autor desta frase magnífica, e, quem sabe, de algum modo cumprimentá-lo (ainda que no post mortem) por tamanha genialidade. É uma verdade interessante. Um exemplo: o fim do trema, aqueles pontinhos que fazem um "u" parecer dois "i"s, vai legitimar quem já falava "qüestão" ou "trankilo", quando não são estas as reais fonéticas. E os malucos excessivamente liberais já pregam o fim do nosso querido e insubstituível ponto-e-vírgula. Já o fim ou introdução do hífem entre determinadas palavras, com todo o respeito, nem cheira nem fede, serve apenas para unificar a língua portuguesa entre os países lusófonos.
Então, afinal de contas, somos conservadores, mas nem sempre. Nosso erro, talvez, é não querer conservar o amor, determinados valores morais (como a honestidade, o respeito et coetera), a natureza (a conservação desta é tema para longas crônicas, porque é relativa), por exemplo, enquanto se quer conservar preconceitos, valores morais negativos (como a inveja e a xenofobia et coetera) e um sem fim de coisas inúteis e até prejudiciais.
É incrível a capacidade humana de fazer de seu conservadorismo um veneno sem antídoto.
Pablo de Araújo Gomes, 20 de outubro de 2009