sexta-feira, 26 de junho de 2009

Arte Conceitual Made in Platão

Olá, pessoal!
O que nos trago, hoje, é um trecho do Livro "A República", de Platão. Trata-se de uma "fábula", uma "mentirinha" que Sócrates cria para, pelo bem da cidade imaginária (A República, criada imaginariamente com o fito de definir a justiça e provar ser ela a melhor maneira de se viver), alimentar o espírito dos guardiães da tal República. O propósito que me leva a publicar este trecho não é que criem algo à imagem e semelhança do que fez nosso amigo Platão (sacaram a intimidade?).
Antes disso, este texto poderá trazer uma nova ótica aos que gostam de escrever sobre fantasias, como os admiradores de Nárnia, O Senhor dos Anéis, ou demais terras e criaturas que povoam o imaginário, assim como os RPGs da vida. Vamos beber, então, nas antigas e sempre boas fontes da mitologia grega:

"(...) na realidade, eram então formados, todos, no seio da terra, eles, as suas armas, suas ferramentas e tudo que lhes pertence; (...) a terra, sua mãe, lhes deu à luz; (...) Na cidade sois todos irmãos, (...) mas o deus que vos formou misturou ouro na composição daqueles de entre vós que são capazes de comandar: por isso são os mais preciosos. Misturou prata na composição dos auxiliares; ferro e bronze na dos lavradores e na dos outros artesãos. Em geral, procriareis filhos semelhantes a vós; mas, visto que sois todos parentes, pode suceder que do outro nasça um rebento de prata, da prata um rebento de ouro e que as mesmas transmutações se produzam entre os outros metais. Por isso, acima de tudo e principalmente, o deus ordena aos magistrados que zelem atentamente pelas crianças, que atentem no metal que se encontra misturado à sua alma e, se nos seus próprios filhos houver mistura de bronze ou ferro, que sejam impiedosos para com eles e lhes reservem o tipo de honra devida à sua natureza, relegando-os para a classe dos artesãos e lavradores; mas, se destes últimos nascer uma criança cuja alma contenha ouro ou prata, o deus quer que seja honrada, elevando-a à categoria de guarda ou à de auxiliar, porque um oráculo afirma que a cidade perecerá quando for guardada pelo ferro ou o bronze".


À minha mente, pelo menos, vieram alguns enredos bem diferentes, inclusive em "universos" diferentes entre si. Não sei qual(is) dos enredos eu vou desenvolver, mas vou trabalhar nestas idéias. Por achar um bom fertilizante mental, resolvi não perder a oportunidade e trazer para todos. Made in Platão, para vocês. Bons textos!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ne me quitte pas e Inspiração

     Tive, esta semana, um contato imediato de primeiro grau com a Música "NE ME QUITTE PAS", de Jacques Brel. Música com letra maiúscula, sim, no meio da frase, e porque acho que é pouco, quase escrevi todo o nome em caixa alta. Poesia com "P" maiúsculo, sem dúvida alguma! Fiquei surpreso e impressionado! Mas qual a razão de minha surpresa? De tanto que se ouve dizer que é bela esta canção, chega-se à conclusão de que é um modismo, ou senso-comum dizê-lo. E muitos o fazem sem fazer idéia do que ela diz. Sim, é de uma melodia extraordinária, em sua simplicidade, mas ele reservou o que havia de melhor para a letra. E, por isso, impressionado.
     E de tão simples, de tão bela, de tão ritmada que é esta obra-prima, caí novamente diante de um velho princípio, dogma ou sei-lá-o-quê sobre a alma do artista. Refiro-me ao fato de que a maior fonte de inspiração sempre foi o sofrimento. Os mais belos poemas, canções, espetáculos teatrais são e foram, em geral, forjados num momento de intensa dor. Não é que outras fontes não existam, mas a capacidade de criar gerada pelo sofrimento é tal que, muitos, quando não estão sofrendo, forjam um sofrimento, para alimentar a própria alma.
     Não creio que tenha sido uma necessidade para Jacques Brel, quando da criação desta sua obra-prima (ele tem outras belas músicas, como esta, mas nenhuma tanto quanto esta). Parece-me, segundo pude ler em mais de uma fonte, que ele estava vivendo uma sofrida separação, e não queria se separar. Se ele foi cavalheiro ou se foi xarope, não sei. Mas que ele escreveu um dos mais belos poemas, que ele compôs uma das mais belas canções, nem Suzanne Gabrielle poderá, jamais, negar. E ela talvez tenha, até, algum orgulho de tê-lo feito sofrer. Pode? É claro que pode!


Pablo de Araújo Gomes, 25 de junho de 2009



Confira você mesmo o que lhe digo:


p.s. O YouTube não está permitindo a incorporação deste vídeo a sites ou blogs. No entanto, se o quiser ver no youtube basta clicar aqui.

Arte Conceitual? Conceito e Primeiras Propostas


Primeiramente, como esta é a primeira postagem deste gênero, permita-me explicar. Arte Conceitual é um modo de pensar a arte dando mais valor e importância à idéia que inspira a obra do que à obra em si. Os títulos neste blog que vêm com esta "etiqueta" de "Arte Conceitual" são idéias para produção literária, para quem por elas se interessar. As idéias poderão ser apresentadas através de temas, imagens, títulos, situações, enredos, ou qualquer meio que estimule e possibilite a criação de um texto. E o estilo, o formato e a estrutura são livres: vale verso, vale prosa; vale poesia concretista, prosa ritmada; vale quadrinhos, vale dramaturgia; vale crônica, conto, romance ou novela; vale drama, vale comédia, vale investigação ou suspense... vale o modo que você quiser fazer, explorar ou experimentar.

A produção decorrente destas sugestões fica livre para publicação ou não, onde o autor quiser publicá-la. A idéia de que alguém pode aproveitar uma das idéias apresentadas por aqui, já me felicita. Mais feliz ainda ficarei se pudermos realizar um intercâmbio literário, e se, por favor, mostrarem-me a obra que partiu destes temas. Mais adiante, podemos até formar uma comunidade literária. Sonhar não custa!

Dito isto, vamos a nossas primeiras propostas:

- O difícil caso de amor entre (fulano/fulana) e seu andróide.
- Insetos em grande quantidade e/ou concentração: sinal de manifestação demoníaca.

Abraços, colegas!
Aguardo contatos!

Sábado à Noite (ou A Longa Saga do Buraco Assassino Numa Rodovia Estadual na Paraíba)

          Cara, acho que isso não é uma crônica. Talvez nem mesmo seja literatura. Eu o definiria sendo algo como um muito-longo-e-pirado-depoimento-de-gosto-duvidoso-sobre-uma-aventura-acontecida-no-último-sábado-à-noite, resumindo. Lá vai:
          Certamente, você já ouviu aquela música (ao que me parece, composta por Lulu Santos), que fez um baita sucesso anos atrás, na voz de Toni Garrido e sua Cidade Negra. Sim, refiro-me à música "Sábado à Noite", título comum ao desta humilde crônica que ouso escrever. É até bem verdade quando ela diz que "todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite", mas a verdade é que ninguém esperaria o que aconteceu na noite do meu último sábado (melhor dizendo, espero que não o último da minha vida, mas até o presente momento).
          Comecemos um pouco antes do acontecido. Na sexta-feira, ficamos sabendo de certo evento, uma festa numa fazenda, no sábado, a que fomos convidados. Caaporã, PB, divisa com PE, não é de todo longe de Recife. Em boa e clara verdade, é logo ali. Não à toa, o que mais se encontra no verão de Pitimbu (o município seguinte, indo ao norte) são os recifences. O que isso tem a ver? Leia, e verá.
 Falava-lhe do convite, não? Pois sim, que seja. Ainda que dado o tiro à queima-roupa, planejamos ir à festa em tal fazenda no sábado à noite, e depois passar lá o domingo, para uma feijoada e para ver o jogo da sofrível seleção de Dunga. E fomos que fomos.
          A festa, à noite, foi muito boa. Bem, eu não sei bem, porque estava tomando conta da minha filha, e não deu para curtir muito. Mas minha filha adorou! Por isso, o objetivo de minha ida já estava satisfeito. E toda a minha família também gostou muito, o que significa que não foi nada má a festa. Ótimo! Até aqui, uma história ordinária, não? Pois, então, vamos dormir. Alguém teve a infeliz idéia de pernoitar em nossa casa em Praia Azul (distrito de Pitimbu, PB - não disse que a informação seria importante?), ao desconfiar que nos faltariam leitos na própria fazenda. Assim fizemos.
          Logo após a saída da fazenda, tendo atravessado a zona urbana da pequena Caaporã numa rodovia estadual, nos deparamos com um buraco assassino. Sim, um buraco assassino. O sopapo que o carro levou foi grande, assustando toda tripulação e passageiros (meu pai dirigindo, minha mãe exercendo o papel de co-piloto sonolento, e eu e minha filhota brincando no banco de trás). Numa fração de segundos, passamos por um carro encostado à nossa direita, e jovens fazendo algum tipo de sinal para nós, que não entendemos.
          Tudo bem, não entendemos até passar mais um segundo ou dois, quando tivemos também que encostar à direita. O tal buraco assassino nos havia condenado à morte nossos dois pneus esquerdos. Sim, os dois, o da frente e o de trás. Os jovens do carro de trás vieram empurrando o seu Palio na nossa direção. Logo, encostava, à nossa frente, o Gol do meu tio, único veículo incólume do cenário.
          "Boa noite!", disseram os jovens, enquanto pegávamos os macacos de nosso Ka e do Gol do meu tio. "Boa noite!", respondemos. "Os dois, também?", ao que respondemos, surpresos, "O de vocês, também estourou os dois?", "Foi, vocês querem ajuda?". "Muita gentileza", dissemos, "mas, e vocês?". "Estamos esperando uns amigos com um estepe extra".
          Pois bem, tirar o pneu, tão seguramente preso pelo borracheiro, não estava uma tarefa fácil, e resolvemos aceitar a ajuda. Enquanto mosquitos, muriçocas, pernilongos e quaiquer outros insetos voadores nos chupavam vorazmente, com mordidas bastante doloridas para o usual, tentávamos nos concentrar na dura missão de fazer sair os pneus. Tiramo-nos, enfim, e tenho certeza de que, se fossem dotados os pneus de sangue, teriam sido levados dali por aqueles vampiros minúsculos que nos chupavam o sossego.
          Você me vê a tecer queixas sobre mosquitos, e deve estar pensando que sou muito fresco. Diga, se não estava pensando nisso! Se não, agora está. Pois saiba que está redondamente enganado(a), caro(a) leitor(a). O meu quarto é um autêntico criadoudo de mosquitos, uma espécie de reserva ecológica involuntária, onde eu mato dez ou quinze por noite, mas nunca me livro delas. Outro dia, acordei e elas tentavam me jogar da janela, acredite-me! Em tempos de muita chuva, acordo pensando que tenho sarampo ou outra enfermidade que nos encha de pontos vermelhos ou caroços, mas depois descubro que se trata apenas de mordidas de muriçocas. Burro, eu? Não. É que o nem o repelente dá conta. E se a isso já estou acostumado, imagine-se em meu lugar, querendo me queixar de chupadas mosquitais.
          Mas, voltemos à nossa história. Enquanto eu pensava que, se eu fosse um sapo, não passaria fome por lá, nos deparávamos com a decisão de escolher onde colocar o nossa roda sobressalente. Calma, não é nada disso que você está pensando. A dúvida era se deveríamos, com o estepe, substituir a roda esquerda dianteira ou se a roda esquerda traseira. A resposta óbvia, claro, é a dianteira, já que seria inviável guiar o carro com um pneu dianteiro murcho. Mas o que faríamos atrás? Adotando a filosofia do "se colar, colou", testamos o estepe do gol, claramente maior e inadequado para nosso pequeno Ka 2000. Preciso dizer que nem entrou? Um é Ford e o outro é Volkswagen: um caso de incompatibilidade digno de um casamento.
          Chegou o socorro dos nosso amigos do Palio, e eles foram cuidar de suas vidas. É justo. Minha mãe foi no carro da minha tia, levando no colo minha pequena herdeira, e me deixando lá, onde seria, certamente, necessário. Cedendo o lugar para elas, ficou nosso amigo Sid, namorado de minha prima e, dada a força de nossos laços familiares, meu "cunhado".





          Devolvemos um dos pneus estourados, o que julgávamos mais destruído, para o carro ter, novamente, quatro rodas. Pensávamos estar preservando o outro, em melhor estado, para uma mais fácil recuperação, no dia seguinte.
          Na hora de ligar o carro, fizemos mais uma boa descoberta. Cadê a bateria? Ah! ela continuava lá, claro. Mas descarregada. Lá fomos nós a empurrar o nosso veículo ex-automotor, para ver se pegava. Mais de trezentos metros depois, chegamos à conclusão de que nossa musculatura extenuada era incapaz de levar tal projeto adiante, pelo menos não subindo aquela ladeira. Os relógios ingratos já contavam mais de quatro horas da manhã, o que fazia significar que já se superara a barreira das duas horas, desde o início do perrengue, lá no buraco. Peguei o triângulo, o entreguei a meu pai, e me certifiquei de que o freio de mão já estava bem puxado. Ficamos esperando o meu tio voltar com uma corda para nos rebocar.
          Já anêmicos, talvez mais pelos insetos do que pelo esforço, procuramos algum lanche ou água, dentro do carro escuro. Não encontramos. Logo, parou um carro, com um gentil senhor, muito bêbado, no volante.
          "Vocês precisam de ajuda?", "Obrigado, mas já estamos esperando alguém.". "Mas diga", insistiu o senhor, "diga alguma coisa, que eu faço por vocês. Fala aí, que eu faço!". Por um instante, pensei que pudesse ser alguma espécie de gênio da lâmpada, mas gênios da lâmpada não dirigem um Civic, pensei logo após. Na verdade, era apenas um senhor solícito e gentil, que em muito poderia nos ajudar se não estivesse tão bêbado. "Mas o que houve com vocês?", perguntou um jovem adolescente ao lado do motorista. "Cala a boca, Filipe!" e, para nós, "O que é que aconteceu com vocês", e respondemos, vagamente, que um buraco estourara nossos dois pneus esquerdos, mas já estávamos esperando ajuda. "Foi lá na saída de Caaporã?" Perguntou o simpático jovem. "Para de falar, Filipe! Foi saindo de Caaporã, foi?", "Foi, num buraco lá na saída. Nós e um pessoal num Palio". "Nós também acabamos de trocar os dois pne..." e, novamente, "Cala a boca, Filipe! Nós acabamos de estourar dois pneus lá. Ainda bem que eu ando com dois estepes. Mas, não é melhor vocês ligarem o pisca alerta, não?". "Não dá, porque a bateria do carro arriou", respondemos. "E o que é que eu posso fazer por vocês?", ofereceu, novamente, o senhor. "Nada, não, obrigado".
          Bem, chega! Eu vou resumir o resto da conversa, pq já está enchendo o saco. Depois de alguns "Cala a boca, Filipe!" e outros "Mas me diga, o que é que ou posso fazer para ajudar?", finalmente os convencemos, gentilmente, que o melhor favor que nos fariam era ir para casa, para dormir em paz, enquanto nós e os mosquitos esperávamos tranquilamente, sob as estrelas, a chegada da nossa ajuda oficial.
          Ufa! Depois de mais um tempo, finalmente chegou o meu tio, dizendo que cochilara no caminho, e foi salvo por um trecho esburacado, que lhe dera um susto logo antes de ele passar direto numa curva. Dirigir, sem ter dormido nada desde o início do dia, às quatro e poucas da madrugada é um bocado arriscado, especialmente se você costuma acordar às cinco da manhã. Acordando do buraco salvador para nós, vítimas do buraco assassino, ele teve uma epifania. Para que arrastar um carro por mais uns treze, quatorze quilômetros, se poderíamos deixar o carro num posto, em menos de três quilômetros voltando para Caaporã?
          Tá, tudo bem. Fazia todo o sentido do mundo. Mas e todo o trabalho que tivemos para carregá-lo até ali, não contava? Claro que não! Empurramos o carro, para manobrá-lo, e demos meia-volta. Vendo que desceríamos uma boa ladeira, resolvemos tentar acionar a bateria quando atingíssemos certa velocidade. Funcionou, mas ainda estávamos com um pneu a menos, e, tendo o cuidado de nos resguardarmos do buraco assassino, deixamos o carro no tal posto. Passando nossa bagagem para o carro do meu tio, encontrei, finalmente, dois squeezes com meio litro de água, cada, e uma sacola com biscoitos e outros pequenos lanches. Mas, cadê Sid? Ah, lá vem ele, vindo da loja de conveniência, com alguns pacotes de biscoito e água mineral.
          Bem, ajoelhou, tem que rezar! Comemos e bebemos dos recém-comprados. Protegendo-nos mais uma vez do perigoso buraco, passamos, com a nada sutil sensação de que aqueles outros carros por ali parados eram novas vítimas. Estávamos debilitados demais para parar e ajudar. Fomo-nos embora.
          Pensa que acabou por aqui? Nana, nina, não!





          Alguns quilômetros mais tarde, passamos por algo que mais me pareceu uma cana bem grossa, jogada no meio da estrada. Como estávamos entre plantações de cana, não me pareceu muito estranho, poderia ter caído de algum caminhão. Mas Sid, imediatamente, ao ver a cana, afirmou: "é uma jibóia"! Sem nenhum esforço, convenceu meu tio, seu sogrão, a fazer a volta e parar de frente para a cobra. Meu tio, carro atravessado no meio da estrada, pôs farol alto, e Sid desceu do carro. Andando lentamente, ele a agarrou pelo pescoço e rabo. Parecia ser uma filhote, pois tinha apenas algo como um metro e meio. Meu pai abriu a porta do carro e, logo que Sid entrou, fechou a porta.
          Fizemos novamente a volta, e seguimos nosso rumo, admirados com aquela criatura, e com a prática de nosso amigo com cobras. ^^
          Por um bom par de quilômetros, ficamos nos perguntando o que faríamos com aquela cobra. Certamente, não dava para dar de presente à minha filha, de três anos, ou meu priminho de um e meio. E nem creio que o IBAMA aprovaria se resolvêssemos fazer qualquer outra coisa menos perigosa com ela, apesar de que eu duvido que fôssemos ser fiscalizados.
          Passando por um cemitério no meio do mato, já dentro de Pitimbu, resolvemos deixar a cobra em seu habitat natural. As câmeras de nossos celulares não foram capazes de registrar este momento, apesar de que já despontava o sol, entre as nuvens de junho, no horizonte. Em cerca de quinze minutos, eu acho, já estávamos chegando à nossa casa, pensando em quão louca havia sido aquela noite, e quase sentindo falta dos mosquitos chupadores. Ah! E decididos a fundar a ASSMOQPEDOPENOMEBARESC - Associação dos Motoristas que Perderam os Dois Pneus Esquerdos No Mesmo Buraco Assassino da Rodovia Estadual na Saída de Caaporã, ou coisa que o valha. Pena que ainda não conseguimos contactar nenhum entre as muitas outras vítimas do Buraco Assassino!

ENFIM, FIM!


Epílogo:
          Peraí, tem mais:
          Com menos de três horas depois que eu capotei na cama, minha filha me acordou para tirar-lhe o pijama (na verdade, acho que, como ela foi dormindo para lá, ela estava ainda com o vestidinho de matuta), a fralda, e lhe fazer o café-da-manhã. Dei graças a Deus por minha mãe ter assumido a situação, porque, se não me lembro de que roupa ela usava, e do momento em que tirei sua fralda, acho que fiz tudo no piloto automático.
          Depois, no posto onde deixáramos o carro, fomos pegá-lo, e levá-lo a um borracheiro lá próximo. Fiquei conversando com uma garota, no posto, e temos trocado mensagens de celular desde este domingo. Penso em ir vê-la, quando for visitar o Buraco Assassino. Mas acho que logo poderei superar a Síndrome de Estocolmo, e poderei dar mais exclusividade a ela.

Pablo de Araújo Gomes, 25 de junho de 2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Mário e Leandra

     Mário e Leandra não eram um casal comum.
     Na verdade, nada neles era comum. Para começar, eles curtiam swing. Swing, vocês sabem, aquela parada de misturar os casais, ou de fazer ménage a trois, e por aí vai. Mas, nem segundo este padrão, eram um casal comum: não faziam distinção alguma entre homens e mulheres, casais homo e hétero, e, principalmente, não respeitavam quem não quisesse participar ou ceder seu parceiro para as suas "festinhas".
     Entre eles, as coisas costumavam ir bem. Sua maior regra era não ter regra alguma, e, por incrível que pareça, isso vinha funcionando.
     Tá, eu reconheço. Deve ser interessante poder cantar quem quiser, quando quiser, a qualquer momento, sem temer o fim do relacionamento. Mas, eu sempre lhes dizia, algum dia, isso há de causar problemas! E foi o que aconteceu.
     Não, não foi mau augúrio de minha parte, não. De forma alguma! Mas que eu avisava, ah, isso sim! Creia você, caro leitor, que, certa feita, ela o encarregou de cantar um negão, seu vizinho. Ele, claro, por muito pouco escapou de uma boa surra. Na verdade, o indivíduo, que era grande a ponto de quase ser dois, gostou tanto de Leandra, que se satisfez em dar em Mário alguns sopapos. Ah, claro, deixou-o de fora da brincadeira. Leandra não viu maior problema com isso, mas Mário pareceu não estar muito satisfeito, ali, parado, sem querer ver.
     Acho, mesmo, que foi por isso que resolveram parar com esta estória de swing. Resolveram, mas não pararam. Eu diria que estão, por assim dizer, mais convencionais. Pelo menos, mais do que antes. Ela, agora, faz as aproximações. Mário, descobriu-se, depois, ficou paraplégico, por conta dos sopapos, e não sente mais prazer além do de ver. Mas ele continua escolhendo parceiros, claro. E tem uma grande aposta num tratamento com células-tronco que acaba de iniciar.
     Espera-se que possamos voltar a vê-los (e, eventualmente, sermos abordados por eles) em algo como cinco ou seis anos. Coisas da vida.

Pablo de Araújo Gomes, 19 de junho de 2009

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O Inferno de Cada Um - I

     Ele acordou, novamente, no meio da madrugada. Sentiu um arrepio desagradável lhe tomar a espinha. Era a mesma hora de sempre. Ele insistiu em se convencer de que era somente o seu relógio biológico que se havia acostumado a acordar naquele horário, mas não dava para se acalmar. Ele tinha de cor um repertório de filmes em que eventos macabros ou misteriosos aconteciam sempre na mesma hora, e tinha certeza de que era o que acontecia, agora.

     Levantou-se, andou um pouco pela casa, sempre à espera de algo inesperado. Sonolento, escorregou na escadaria, mas se segurou. Desceu calmamente. Espreitava pelos cantos da casa, na certeza de que encontraria alguém que não devesse estar ali. Deu um pulo ao notar que parecia não estar enganado. Havia mais alguém na casa.
     E seguiu esse alguém como uma sombra, desferindo-lhe um forte golpe na nuca.

     "Mamãe?"


     E agora? Ela estava ali, caidinha da silva, e a culpa era toda sua. Aquele corpo desanimado lhe aumentava o pavor: será que, por uma paranóia idiota, ele teria matado a própria mãe? Mas não podia!!! Não podia ser!

     Checou o pulso. Nada!
     Conferiu a respiração. Nada!

     Deus do céu! ele não podia ter matado a própria mãe!

     Não, não é que ele não aceitasse isso. E não aceitava, claro! Mas, enquanto o sono se desvanecia, tornava-lhe a razão. O verdadeiro problema era bem outro: sua mãe morrera havia dois anos! Como poderia ela estar ali, agora? E, pior, como poderia ele ter matado alguém que já não vivia havia anos?

     Pensou ele que só poderia estar sonhando. O corpo da mãe teria estado decomposto, não quentinho como ele notava. Aliás, não estava o corpo tomado pela decomposição, mas não tinha nada de quente. Teria, mesmo, ele matado a defunta?

     Também isso não fazia sentido. Mas, e se fizesse? Será que ela passaria a retornar para puxar seu pé, no meio da noite? Ou voltaria para lhe pôr de castigo por seu mau comportamento?

     Ou será que era possível que ele matara a sua mãe também da vida espiritual? Será que ele acabara com toda a sua existência?!?!

     Olhou novamente para aquela figura pálida caída ao chão. Ela não parecia em nada cadavérica. Aliás, começava, até, a se levantar. Ele piscou os olhos, e os esfregou, também. Não podia crer: quando ela morreu, ele pensou que nunca mais a veria em vida.

     Caramba! Teria ele também morrido?!?!

     Súbito, correu escadaria acima, em direção do quarto, e não viu nada. Seu corpo não estava lá. Ufa! Ele não morrera enquanto dormia. Voltou lá para baixo, para encontrar sua mãe. Ela não estava mais lá na cozinha. Foi para a sala, onde a encontrou chorando.

     "Mamãe?", ela não respondia. "Mamãe, me perdoe! Eu não sabia que era você. Eu não queria bater na senhora." Mas ela não parecia chorar de tristeza. "Mamãe?" Ele se aproximou, e ela lhe deu um forte abraço. Um forte e muito quente abraço. Ele se sentiu muito culpado, pois quase a havia matado novamente, dessa vez sem querer, dois anos depois. Desde então, sempre acordava na hora exata em que a matara. Ao pensar nisso, sentiu que o abraço esquentava rapidamente. E esquentava mais, e mais.

     Tentou livrar-se daquele abraço quente. Sua mãe começava a rir aos berros, gargalhando mais e mais, e o abraço não afrouxava. Ele, então, tentando se livrar, viu o seu corpo caído ao pé da escada. Como poderia não ter notado? Quanto mais ele tentava se livrar, mais altas eram as gargalhadas. Quanto mais tentava rezar, mais o abraço o apertava. Quanto mais se desesperava, mas o abraço o queimava. E assim foi até se tornar tão insuportável, tão terrível, que não era capaz de sentir mais nada.

     E então passou. Tudo se apagou. Nada mais havia além do silêncio. E ele sentiu que teria de esperar, que nada mais poderia fazer além de esperar, indefinidamente. Eternamente. Porque não pudera esperar pela herança; porque ele não pudera esperar nada durante toda a vida. Porque ele nada mais poderia fazer em sua existência, enquanto não aprendesse a esperar.


Pablo de Araújo Gomes, 11 de junho de 2009